Um movimento selvagem em uma cidade controlada
Foi em um sábado e domingo de agosto que se reuniram aqueles que começaram há pouco e nunca tiveram a chance de expor sua arte; até aqueles que contam com dígitos duplos de história. Tudo começou com um cortejo na rua XV de Novembro, em que os participantes desfilaram até o Teatro Carlos Gomes e contagiaram os que presenciaram o movimento. No primeiro dia do evento, em momentos o céu ficava nublado, em outros, abria um sol que raiava e, à noite, uma chuva caiu. Entretanto, os artistas não se abalaram.
Uma cultura de periferia, o hip-hop, brilhou e encheu o salão nobre do Teatro com dançarinos de todas as idades que mostraram seu talento a uma multidão. Biombos se encheram de pinturas, desenhos, grafites e genialidade. Atores e atrizes subiram nos palcos para hipnotizar a plateia com seus espetáculos criativos e emocionantes. Este é o espírito do Coletivo Colmeia, que conquistou um espaço para toda a comunidade nos corredores e salões do reservado Teatro Carlos Gomes com a sua 11ª edição. Em uma cidade com cultura alemã, em que o turismo cervejeiro é prioridade, o evento traz diversidade, arte e representatividade. Ele conquista o coração daqueles que prestigiaram as apresentações e intervenções para valorizar artistas independentes e abrir as portas gratuitamente do Teatro.
O Colmeia pode ser entendido como uma manifestação orgânica dos interesses e anseios de artistas locais, que lutam por visibilidade, legitimidade e formas de viabilizar sua arte. É preciso ter tanto o trabalho dos produtores quanto a colaboração do público. Sem essa relação, está incompleto. Por isso, o Colmeia é uma forma de tornar real o sonho de produção artística de quem participa.

Em 2024, pessoas das mais variadas jornadas pelo grafite, dança, música, pintura e outros movimentos realizaram 128 ações durante os dois dias de expressão. Público, representativo, inspirador e inclusivo são adjetivos que o coletivo tem orgulho de ser chamado. A inclusão é um ponto importante para o Colmeia, que conta com uma Rota de Artes Acessíveis para garantir o acesso das pessoas com deficiência pelo Teatro e dispor de uma experiência única com os diferentes tipos de manifestações.
Para apresentar o coletivo a Blumenau, especialmente ao público mais jovem, as polinizações anuais levam artistas e integrantes do Colmeia até as escolas públicas da região. Com apoio da gestão e professores de artes das redes de ensino, há manifestações artísticas, exposições e oportunidade para que os próprios alunos produzam trabalhos. A mais recente foi feita na Escola de Educação Básica Luiz Delfino para aproximar aqueles que serão o futuro da cultura. “Principalmente nas escolas, associações e periferias, é gratificante trazer as crianças porque serão os artistas e participantes de amanhã”, explica Cris Laleska, que é professora de artes e participante desde a primeira edição do Colmeia, que ocorreu em 2012.
Sobre o coletivo, ela esclarece que a “proposta é de um grande evento multicultural que vivencie com o público e o artista o espaço do Teatro Carlos Gomes, como o grande palco da arte e da cultura de Blumenau”. Inspirada pelo idealizador Clóvis Truppel, a professora instiga: “A criação é individual, mas por que não experimentar, criar ou expor junto? Por que não fazer parte de um lugar com diferentes linguagens?”.
Clóvis, também conhecido como Risco, deixou um legado de resistência e criatividade para o grupo e Blumenau. Suas artes urbanas seguem em diversos pontos da cidade e seu ativismo permanece vivo na memória de quem pôde o conhecer. O idealizador do Colmeia faleceu em 2014, mas a artista Cris Laleska conta com exatidão e nostalgia como ele buscava descentralizar a arte, levar atrações culturais e gratuitas às comunidades, além de dar espaço para artistas locais. Segundo ela, o evento é um grande intercâmbio, que têm a oportunidade de transmitir suas mensagens em linguagens diferentes.
“Amo minhas sementes, flores e frutos”, expressava Clóvis. Reiterando a filosofia de florescência do idealizador, o artista urbano Tales Coirolo destaca que o evento evoluiu socialmente de forma orgânica. Além disso, ele afirma que “o Colmeia anda no limite do controle e do descontrole. Ele é um movimento cultural e selvagem, em uma cidade que tem uma cidade que tem o estigma de ser tudo controlado”.
Sobre obstáculos e resistência
Mesmo tendo apoio do povo blumenauense, o Coletivo Colmeia ainda enfrenta resistência de órgãos públicos e do próprio Teatro, que os acompanha há onze anos. “Um evento que está na 11ª edição e nem está no calendário oficial da cidade é falta de reconhecimento. Se a gente faz o que faz com pouco recurso, imagina com apoio”, desabafa Cris. Para os organizadores, a dificuldade de auxílio representa uma luta da classe artística local e esclarece as prioridades culturais de Blumenau.
O Teatro se tornou referência do evento e se incorporou na imagem do coletivo ao oferecer o espaço para a intervenção ao longo dos anos. Contudo, um mês antes desta edição, o Teatro Carlos Gomes anunciou que o Colmeia não poderia usar o espaço em frente ao prédio. Portanto, não teve abelhas na praça. A justificativa da administração ao coletivo foi de que plantas teriam sido trazidas aos canteiros em um processo de revitalização em abril e maio.
Além disso, afirmou não ter um jardineiro para a manutenção do paisagismo; por isso, baniram todos os eventos culturais no local por tempo indeterminado.

“Infelizmente, a imagem simbólica da praça ocupada pelas pessoas, fruindo nossa arte, criando modos de vida coletivos, não será possível neste ano”, expressou o Colmeia em um comunicado oficial. O afastamento e tensão criada pelo Teatro fazem suspense sobre o futuro do coletivo, que considerava um ato emblemático ocupar este espaço considerado elitizado.
Outros obstáculos vieram de órgãos públicos. No ano anterior, a Secretaria de Cultura apoiou a organização do evento pela primeira vez com um equipamento de som para apenas um dos palcos; em 2024, mesmo com insistência e mediação, o Colmeia não teve a mesma sorte. “Eles enrolam, não justificam e não reconhecem. Nos cozinharam em banho-maria. Esse ano é eleitoral e deixa mais complexo”, elabora Cris Laleska. “O Colmeia vive de apoio de empresas, poder público e doações das pessoas. Nesse ano, conseguimos copos de água da Samae e 20 lixeiras, e foi isso.”
Para explicar o porquê uma manifestação artística, gratuita e voltada para a inclusão social tem pouco apoio de órgãos públicos, os integrantes apontam para o culto da cerveja local. Conforme explicam, a cultura hegemônica de Blumenau impede qualquer divergência que fuja dos padrões. “Tudo o que está fora disso, nas margens, é exótico e não merece financiamento”, destaca José Inacio Sperber, participante do Coletivo Multicultural de Experimentações e Intervenções Artísticas desde 2017.
O futuro é incerto e dúvidas surgem sobre onde acontecerão as próximas edições e como serão feitas. Entretanto, os artistas provam sua resiliência e dedicação ao movimento ao garantir que irão continuar os trabalhos e intervenções independentemente dos obstáculos.
Por: Victor Guerreiro, Cássia Paim Kopsch, Gustavo Reiter e Helena Tiedje