Crianças migrantes recomeçam longe de casa

Entre saudade, novos amigos e adaptação, crianças enfrentam desafios e descobrem oportunidades em novas cidades

Por Andrei Imthurm

A infância é uma etapa que marca o desenvolvimento de uma pessoa e influencia seu papel futuro na sociedade. Quando esse período é atravessado por mudanças de cidade ou de país, as rotinas infantis são alteradas de forma significativa. Entre fronteiras, documentos e novas adaptações, estão crianças que abandonam ambientes familiares e passam a conviver com novos sistemas de ensino e diferentes formas de sociabilidade. Esse é um movimento que não é recente e, ao longo da história, assumiu diferentes características.

As crianças imigrantes que chegavam ao Brasil enfrentavam viagens longas, condições precárias e separações familiares. “A principal motivação foi uma política do governo que buscava trazer europeus para ocupar o território, o que incluía a vinda de menores como parte desse projeto”, conta a pesquisadora Juliana de Mello Moraes. Ela afirma que essas crianças enfrentavam impactos psíquicos decorrentes da separação familiar, além de doutrinação religiosa e inserção precoce no ambiente de trabalho.

Se no passado o desafio era principalmente a adaptação cultural, atualmente a migração infantil está ligada sobretudo às condições de trabalho dos responsáveis e à busca por melhor qualidade de vida. O Censo de 2022 do IBGE registrou que, na migração dentro do país, 29 milhões de pessoas residiam em estados diferentes de seus locais de nascimento. Esses dados mostram como a migração interna faz parte da realidade de muitas famílias brasileiras, afetando também a infância.

Imigração infantil através dos séculos / Imagem: Andrei Imthurm

Esse é o caso de Paula Régia Ferreira, que deixou o Pará para se estabelecer em Timbó com o marido e os filhos. “Tomar a decisão de migrar com minha família não foi nada fácil. A gente morava no interior do nosso estado há muitos anos, com amigos e familiares por perto. Mas a situação estava difícil, faltava emprego, as condições de vida não estavam boas, e a gente queria um futuro melhor, principalmente para os nossos filhos”, relata.

Para Abraão Ferreira, filho de Paula, a chegada a uma nova cidade trouxe sentimentos intensos e inesperados. “Quando cheguei aqui, estava com o coração apertado, porque deixei meus amigos, minha escola e até meus brinquedos preferidos. Quando a gente chegou, eu achei tudo muito diferente. As pessoas falavam de um jeito que eu não entendia direito, a escola nova era enorme, e eu não conhecia ninguém. Fiquei com medo de não conseguir fazer amigos de novo, chorei escondido porque bateu uma saudade enorme da minha casa antiga e dos meus avós. Mas com o tempo as coisas foram melhorando”, conta.

Quando a mudança pesa no emocional

A migração representa um desafio que vai além da adaptação prática. Para muitas crianças, o impacto emocional também se torna parte do processo. “As crianças podem vivenciar várias emoções, pois será um lugar novo, às vezes com um idioma diferente e pessoas desconhecidas. Isso pode gerar estranhamento, medo de não se encaixar e até uma sensação de ‘não pertencimento’”, explica a psicóloga Ana Cláudia da Silva.

Ela destaca que há também uma perda afetiva que envolve amigos, familiares, cheiros, rotinas e símbolos que fazem parte da identidade infantil. “É como se a criança deixasse um pedaço de si para trás. Esse luto silencioso pode aparecer na forma como ela se relaciona, na confiança para criar novos laços e até na percepção de si mesma”, afirma.

Psicóloga Ana Cláudia da Silva / Imagem: Andrei Imthurm

Para facilitar a adaptação, Ana Cláudia orienta que os responsáveis validem os sentimentos da criança e mantenham rituais familiares. Histórias antes de dormir, refeições em família e chamadas de vídeo com pessoas queridas ajudam nesse quesito. Atividades que favoreçam novas amizades também contribuem para que a criança reconstrua sua base afetiva.

A psicóloga alerta para sinais que indicam sofrimento emocional mais profundo. Entre eles estão isolamento persistente, tristeza constante, recusa em ir à escola, alterações de sono ou apetite e comportamentos agressivos. “Caso esses sintomas se mantenham por várias semanas ou prejudiquem o bem-estar e as relações da criança, é importante buscar acompanhamento psicológico especializado para oferecer suporte adequado”, reforça.

As mudanças afetam diferentes ambientes

A educação de crianças migrantes envolve desafios que vão desde a adaptação a novas escolas, até o contato com currículos e ambientes sociais completamente diferentes. Segundo a pedagoga Monica Neumann Soares, a maior dificuldade está no processo de inclusão. “Entrar em um novo ambiente sem possuir nenhum vínculo afeta a aprendizagem”, explica. Ela destaca que, ao migrar para outro estado, muitas vezes é necessário um alinhamento de conteúdos para que o aluno acompanhe a turma. Para Monica, essa adaptação só é possível quando ocorre de forma acolhedora, tanto do corpo docente quanto dos estudantes, o que vai ajudar a garantir que a criança se sinta parte do novo contexto escolar.

Juliana e seu filho Bernardo / Imagem: Andrei Imthurm

Juliana Francisca, que se mudou para Blumenau, conta que o filho precisou de um tempo maior antes de começar a se adaptar. “Ele demorou bastante para se acostumar com a mudança do clima, vivia doente. Os primeiros meses, praticamente todo mês ele tinha alguma coisa”, conta.

Para o filho de Juliana, Bernardo, a mudança para uma nova cidade foi marcada por sentimentos mistos. “Eu me lembro do dia em que nos mudamos para cá. Foi bem difícil e triste, porque eu estava muito acostumado a morar lá e fiquei com saudade da minha família. Fazer novos amigos na escola e no bairro também foi complicado, mas, a cada dia que passava, eu conseguia me enturmar e me entender melhor com eles”, diz.

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