A iniciativa que transforma os desafios da adaptação em acolhimento

Por Vitória Helena Tiedje

“Enfrentamos desafios todos os dias”, diz Evens Noreli, haitiano que escolheu Blumenau como lar. As palavras carregam o peso de uma longa jornada, feita de burocracia e diferenças culturais, mas também da sensação de estar longe de tudo o que é familiar. Foi a partir dessa vivência, muitas vezes solitária, que ele e outros quatro amigos decidiram que a resposta para a dificuldade é a ação.

Evens transformou a própria dor da adaptação em combustível. Em agosto de 2022, movido pela urgência de quem sente na pele o que é ser estrangeiro, ele e os amigos fundaram a Organização Solidária pela Integração e Desenvolvimento dos Imigrantes no Brasil (Osidi-BR). O objetivo é claro: ser o ombro amigo e o suporte prático para quem acaba de chegar e se vê perdido em um novo ambiente.

Atualmente, a Osidi-BR se constrói em ações vitais. A organização oferece, por exemplo, transporte gratuito para quem precisa ir até a Polícia Federal, em Itajaí, para renovar documentos. Para quem é natural da cidade, pode parecer apenas uma viagem a um município vizinho, mas para um imigrante recém-chegado, sem domínio da língua e com o orçamento muitas vezes apertado, é a diferença entre a regularização e a invisibilidade. Evens ressalta que este é apenas o começo, porque a demanda é crescente e a luta por melhores condições é diária. “Precisamos de uma sede própria para acolher e orientar, além de recursos para apoiar os recém-chegados”, afirma.

Foi nesse cenário que, em 2025, o projeto “Usina de Valores” se uniu à associação. Financiada pelo Ministério dos Direitos Humanos, a iniciativa chegou para empoderar quem vem de fora. A proposta foi promover encontros sobre direitos humanos e cidadania, mas o resultado foi muito além da teoria: o projeto acendeu a chama da participação política em pessoas que, muitas vezes, se sentiam à margem das decisões.

Em uma sala onde o português se mistura ao crioulo, ao francês e ao espanhol, a compreensão se torna um ato de carinho. “Alguns falam apenas crioulo, francês ou espanhol. Contamos com professores da associação que auxiliam na tradução”, explica Larissa Mariá, da equipe de coordenação.

Mas o acolhimento real não se faz apenas com palavras. Para criar um ambiente onde todos se sentissem, de fato, em casa, cada encontro encerrava com pratos típicos de diversas origens. O cheiro da comida caseira, o sabor da infância e a alegria de apresentar sua cultura ao outro transformaram as reuniões em celebrações.

No dia 7 de setembro de 2025, durante o Grito dos Excluídos, a comunidade imigrante não apenas assistiu, mas protagonizou. Eles foram às ruas. Homens e mulheres que cruzaram fronteiras em busca de dignidade marcharam para reivindicar pautas concretas, como o acesso à moradia popular. Ali, a teoria da “Usina de Valores” se tornou prática: entender que o espaço é de todos e que suas vozes merecem ser ouvidas.

“O que mais me marcou foi perceber a força de cada pessoa”, compartilha Evens, emocionado com a evolução do grupo. “Hoje, a associação não só acolhe, mas exerce cidadania. Orientamos sobre direitos, ajudamos no acesso a serviços essenciais e fortalecemos a voz da comunidade”, diz.

Mais do que uma organização, a Osidi-BR e o projeto Usina de Valores construíram uma família estendida. Eles provaram que, mesmo longe da terra natal, ninguém precisa enfrentar os desafios sozinho.

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