Histórias de migrantes mostram como a diversidade cultural impulsionou o empreendedorismo em Jaraguá do Sul
Maria Eduarda Günther
Santa Catarina é, atualmente, um dos estados que mais recebem migrantes. Segundo o último censo do IBGE, entre 2017 e 2022, mais de 503 mil pessoas vindas de outros estados passaram a viver em terras catarinenses.
Existem três fatores que explicam esse fluxo: o baixo índice de desemprego, a alta formalização das relações de trabalho e uma renda média superior a nacional, tanto individual quanto familiar. Essa combinação faz de Santa Catarina não apenas um destino turístico, mas também um território fértil para quem deseja reconstruir a vida e investir em um negócio próprio.
Entre os que mais se destacam nesse movimento estão os nordestinos. Em 1991, apenas 12,8 mil pessoas originárias da região viviam em Santa Catarina. Em 2022, esse número saltou para 216,3 mil, um crescimento de 1.589% em pouco mais de três décadas. Esse avanço não só modificou o perfil populacional do estado, mas também ampliou a diversidade cultural e econômica. É nesse contexto que surgem histórias como a de Ioneide Araújo, nordestina que fundou o Ponto do Chiquinho, em Jaraguá do Sul.
Mas, muito antes já havia famílias e empresas que vieram para a região e construíram a própria empresa. Em Jaraguá do Sul, a migração de famílias alemãs nos séculos XIX e XX foi fundamental para o surgimento de indústrias têxteis, metalúrgicas e alimentícias. Foi nesse cenário que, em 1923, o imigrante Max Wilhelm chegou à região e encontrou na produção de bebidas um caminho para criar raízes, dando origem à história da Laranjinha.
Max Wilhelm e a Laranjinha
A história da Laranjinha começa com a chegada de Moritz Max Wilhelm, em 1923, acompanhado da esposa Martha e do filho Geert, vindos da Alemanha. Sem falar português e enfrentando dificuldades para se inserir no mercado de trabalho, Wilhelm encontrou oportunidade em uma pequena fábrica de refrescos que já funcionava na cidade desde a década de 1910.
O negócio, então comandado por Johannes Theodoro Tiedke, produzia limonada e outras bebidas gaseificadas. Pouco tempo depois, Max assumiu a fábrica e iniciou um processo de expansão. Em 1940, surgia a Laranjinha, refrigerante feito com suco integral de laranja que logo conquistou o paladar dos moradores.
Mais do que uma bebida, a Laranjinha se tornou parte da memória coletiva de Jaraguá do Sul. As garrafinhas, a movimentação de caminhões e o ambiente familiar da fábrica marcaram gerações. O refrigerante atravessou décadas, passou por diferentes gestões e hoje está sediada em Blumenau, mas continua carregando o nome do imigrante que acreditou no potencial da região e construiu um negócio que virou ícone catarinense.
A empresa segue sendo um símbolo regional, resistindo à passagem do tempo e às mudanças do mercado. Esse cuidado com a tradição é o que garante a longevidade da marca e o vínculo emocional com os consumidores: “A fórmula da Laranjinha permanece rigorosamente inalterada há 100 anos. Mesmo com mudanças na legislação sobre produtos açucarados, a empresa optou por manter o rótulo ‘alto teor de açúcar’ em vez de alterar a receita centenária”, diz Otávio Greuel, atual presidente da empresa.
Sabores do sertão no Vale
Se a imigração alemã construiu as bases da industrialização local, a migração nordestina trouxe novos sabores e ajudou a compor a diversidade que caracteriza Jaraguá do Sul na atualidade. Uma das protagonistas dessa história é Ioneide Araújo, a Tia Neide, fundadora do Ponto do Chiquinho, restaurante dedicado à culinária nordestina, que há 27 anos faz parte da rotina da cidade.
Nascida no Ceará, Tia Neide chegou a Jaraguá do Sul há 42 anos para formar uma família com o marido, que já morava na cidade. Mãe de dois filhos, ambos nascidos em Jaraguá e hoje com suas próprias famílias, ela construiu sua trajetória de sucesso.
Antes de empreender, trabalhou em uma das maiores indústrias têxteis da cidade, mas a vocação para a cozinha falou mais alto. “Sempre tive o desejo de empreender na área da culinária. Aprendi muito sobre sabores e tradições em minha terra natal. Há 27 anos, através do Ponto do Chiquinho, tenho a honra de compartilhar a culinária nordestina com nossa comunidade” conta.
Mas a trajetória não foi simples. No início, a dificuldade era convencer o público local a experimentar sabores diferentes daqueles com que estavam acostumados. “Os principais desafios que a gente enfrenta como migrante para abrir um negócio é exatamente isso: fazer o público acreditar, né? Que pode dar certo, que vai gostar. Às vezes, a pessoa dizia que não ia gostar de comida nordestina só porque nunca tinha provado”, explica.
O espaço, decorado com cores vibrantes e redes penduradas no teto, é um convite a viajar ao Nordeste sem sair de Jaraguá. O cardápio reúne clássicos como baião de dois, carne de sol, feijão verde e cuscuz, que conquistaram o paladar local.
“Chegar até aqui não foi fácil, mas cada passo dessa jornada foi marcado por determinação e resiliência. Ponto do Chiquinho não é apenas um negócio para mim; é uma extensão da minha história, das minhas raízes nordestinas e da minha paixão pela culinária. Cada prato servido representa anos de trabalho árduo, amor e dedicação”, afirma Tia Neide.
Migrantes movem a economia catarinense
O movimento migratório se reflete no dinamismo econômico de Jaraguá do Sul. Entre 2010 e 2022, o município recebeu quase 40 mil novos moradores vindos de outras regiões do Brasil, elevando a população de 143.123 para 182.660 habitantes – um crescimento de 27,62%, segundo o Censo 2022 do IBGE.
Esse aumento populacional acompanha o avanço no empreendedorismo local. Só nos primeiros seis meses de 2024, Jaraguá registrou a abertura de 3.327 novas empresas, crescimento de 10,3% em relação ao mesmo período de 2023. Atualmente, o município soma 34.773 negócios ativos, dos quais 19.950 são Microempreendedores Individuais (MEIs), conforme dados do Observatório da Junta Comercial de Santa Catarina (Jucesc).