Campanha de Nacionalização do governo Vargas reduziu número de falantes do idioma, que segue vivo em Blumenau. Hoje, língua se reinventa e conecta história e futuro.
Por Marcos Rangel
Em algumas partes de Blumenau é comum ouvir “Oma”, em vez de avó; “danke schön”, no lugar de obrigado; e “prosit”, para brindar. Segundo dados do IBGE, relativos ao censo demográfico de 1940, naquela época 97% dos moradores do município falavam a língua alemã. Em 2025, ainda que não haja dados recentes que informem o número de pessoas que usam o idioma, o alemão já não é tão falado como antigamente, mesmo após ter sido reconhecido como patrimônio cultural em 2024.
Durante os primeiros anos da colônia, no século 19, o ensino em Blumenau teve de ser realizado pelos próprios colonos. “Eram escolas particulares da comunidade, onde os pais pagavam os professores. E esses professores, quando não se tinha um professor vindo da Alemanha, a pessoa mais esclarecida daquela comunidade era a escolhida para ser o mestre, e o pagamento era feito pelos pais”, conta a historiadora Sueli Petry. Ela diz que o governo não oferecia ajuda, nem interferia na educação da cidade.
Foi então que o presidente Getúlio Vargas, durante o chamado Estado Novo, entre os anos de 1937 e 1945, realizou a campanha de nacionalização. As escolas alemãs foram fechadas ou obrigadas a ensinar em português. Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, a repressão se intensificou. Falar a língua dos países inimigos passou a ser proibido, trazendo uma repressão inédita aos imigrantes. “Era terminantemente proibido falar a língua alemã. Em decorrência disso, as igrejas, as escolas, as sociedades sociais, as sociedades de canto, as casas de comércio, as ruas da cidade que tinham nomes de pessoas ou nomes alemães foram alteradas”, explica a historiadora.
Segundo Sueli, o período foi marcado por um radicalismo intenso e por diversas perseguições. Até desavenças pessoais eram usadas como justificativa para denúncias. “Se você não gostasse de um vizinho, por questões particulares, delatavam”, diz. Esse processo de repressão, acrescenta, atingiu até os espaços de memória. “Houve uma mudança radical até nos cemitérios. Inscrições como ‘aqui jaz a família tal’ precisaram ser alteradas do alemão, ou seja, nem os mortos foram respeitados”, relembra.
Com o fim da guerra e a redemocratização a partir de 1945, a repressão perdeu força, mas muitos, que já estavam traumatizados, ainda evitavam falar a própria língua de origem. “As pessoas eram presas sem saber o porquê. As perseguições aconteceram e em decorrência disso criou-se muitos traumas, sintomas de insegurança, que hoje ainda persistem”, afirma a historiadora.
A língua da oportunidade
Mesmo com um passado conturbado, o idioma dos imigrantes ainda sobrevive. Blumenau mudou e o uso da língua alemã também. Antes uma colônia, a cidade hoje é considerada referência em diversas áreas. É a terceira cidade de Santa Catarina que mais gerou empregos nos dois primeiros meses de 2025, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Com o avanço de investimentos, o interesse de empresas estrangeiras cresce e surgem novas possibilidades de negócios. Assim, aprender alemão se apresenta como uma chance de uma vida e carreira melhor.
Em março de 2025, Blumenau sediou a feira Blumenau Conecta Alemanha, reunindo 15 empresas alemãs em busca de talentos brasileiros. Segundo o Instituto Gene Conecta, cerca de 2.100 candidatos se inscreveram para mais de 120 vagas.
Com as oportunidades se relevando, movimentações para o ensino do alemão começam a surgir. O município investiu na criação de escolas públicas bilingues, iniciando pela Escola Municipal Erich Klabunde, fundada em 2019 e atualmente com 114 estudantes, de acordo com o Censo Escolar 2024 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Ao todo a cidade conta com oito escolas municipais bilíngues de língua alemã, além de 15 de língua inglesa, uma de Libras e outra de Espanhol. Na vizinha Pomerode, existem três escolas públicas municipais bilíngues de alemão.
Já fora do ensino público, a Associação Empresarial de Blumenau (Acib) fundou, em 2013, o Núcleo Língua Alemã, responsável por organizar eventos como a Semana da Língua Alemã e atividades relacionadas ao ensino do idioma. O núcleo conta com seis colégios privados e duas escolas de ensino superior, que somam atualmente um total de 1.749 alunos na cidade.
A estratégia é trazer uma nova visão para o ensino do idioma na cidade. “Quando nós começamos a montar isso, nós vimos várias escolas, que por força, talvez, de um hábito, de um erro de estratégia, estavam muito vocacionadas à cultura. E a gente passou a organizar um pouco mais a língua, fazer reuniões em torno da língua”, explica Mauro Kirsten, Cônsul Honorário da Áustria e ex-coordenador do Núcleo Língua Alemã.
A expectativa é atrair para os cursos de alemão uma juventude que busca novas oportunidades no mercado de trabalho. “Talvez o jovem não vá vestir uma roupa germânica, não vá na Oktoberfest, não vá desfilar, ou no dia que ele tiver uma família, tiver uma filha, não vai botar o nome de Helga, nem de Frida, mas ele vai saber falar, escrever e ler o alemão. Meus pais só falavam alemão. Eu falo, escrevo e leio. E esse é o passo adiante que foi dado”, afirma Kirsten, apostando nos jovens para levar adiante a herança linguística dos imigrantes da cidade.