Com mais de 179 mil imigrantes, o estado convive com avanços no acolhimento, mas também com obstáculos que vão do idioma à moradia
Ana de Liz Marcolin
Ao chegar em um novo país, os imigrantes enfrentam dois obstáculos imediatos: a documentação e o idioma. O pesquisador Günter Bayerl Padilha, mestre em Antropologia Cultural, enfatiza que existem duas realidades distintas: a dos “documentados”, que entram com os papéis regularizados, mas ainda encaram a burocracia, e a dos “indocumentados”, que chegam sem documentos e recorrem a pedidos de asilo ou vistos humanitários, como o concedido aos haitianos em 2010.
O angolano Horiecel dos Santos, 31 anos, veio ao Brasil por um edital de intercâmbio para estudar em uma universidade federal. Mesmo sendo um migrante “documentado”, enfrentou dificuldades desde o início. “Eu tive que tratar de toda a documentação sozinho. Senti falta de apoio, não tinha pessoas para me explicarem como tinha que ser a documentação. O único suporte veio da minha família, que também desconhecia o processo”, afirma.
A haitiana Gine Ericka St. Louis, 20 anos, vive no Brasil há uma década e lembra que o processo de regularização exigiu paciência e orientação. Recém-chegada da Venezuela com a família, ela aguardou por um mês, em Manaus, para obter o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF). Durante esse período, ficou hospedada na casa de freiras. “As dificuldades foram a demora para adquirir o Registro Nacional de Estrangeiro. Na época, alguns locais de trabalho exigiam esse documento para exercer a função”, relata. Ela lembra que recebeu ajuda de amigos e colegas mais experientes, que auxiliaram com orientações e transporte.
Idioma como barreira invisível
Superada a regularização dos documentos, surge a dificuldade de se comunicar. Para o pesquisador, o idioma vai muito além da fala. Ele carrega códigos culturais fundamentais para a integração social e profissional.
Essa realidade é vivenciada por Jeffte Clairmeus, haitiano de 20 anos que vive em Blumenau. “Fiquei um ano e meio sem poder me comunicar com pessoas daqui, além do meu pai, irmãos e outros haitianos. A língua foi bem difícil”, conta. Mesmo após anos no Brasil, ele ainda sente o idioma como o maior desafio.
Mesmo em casos em que o idioma é o mesmo, como no caso de Horiecel, os obstáculos persistem. Ele relata que o sotaque costuma gerar barreiras no dia a dia. “Eu consigo entender perfeitamente qualquer brasileiro, mas muitos não se esforçam para compreender o que estou falando. Só porque o sotaque é diferente, já desprezam”, afirma.
Moradia também se torna obstáculo na adaptação
A busca por moradia costuma ser um dos primeiros desafios após a chegada, especialmente para quem ainda está se adaptando ao novo país e depende de uma rede de apoio.
Essa foi outra dificuldade enfrentada por Gine. Que contou com acolhimento e suporte dos tios, até que sua própria família conseguisse estabilidade. “Foi um pouco difícil encontrar lugares com valores viáveis à nossa realidade, já que minha mãe era a única fonte de renda e sustentava dois filhos com um salário mínimo”, diz. Ela aponta ainda que a localização dos imóveis disponíveis não ajudava, pois ficava distante do trabalho da mãe.
Horiecel, angolano que veio ao Brasil estudar, também relatou desafios no início da estadia no país. Ele conta que, apesar de ter vindo por um intercâmbio, não recebeu apoio para questões práticas da chegada. “O edital [do intercâmbio] só assegura minha vaga numa universidade federal e mais nada. Não garante deslocamento, nem tratamento de documentos”, diz. Lembra ainda que precisou se manter com o dinheiro que trouxe de Angola. “A pessoa não pode viver sem nada, porque ninguém vai te dar nada, ninguém vai te receber com comida, com o dinheiro, com casa. Você tem que se virar em primeira instância”, afirma.
Apesar das dificuldades, Horiecel diz que está construindo a vida aqui no Brasil, onde consegue ter a própria independência e se desenvolver, mas não descarta retornar para Angola, dependendo das oportunidades de trabalho. A haitiana Gine, por outro lado, diz que não voltaria para o seu país de origem, pois o esforço feito por ela e sua família para vir para o Brasil foi grande demais.
Toda essa batalha para viver no Brasil poderia ser menor, caso o país tivesse serviços que facilitassem a compreensão das burocracias nacionais. Embora os últimos anos tenham demonstrado avanços, ainda há limitações na recepção dos estrangeiros. “Os imigrantes ainda são vistos como indesejáveis, e pouco orçamento público é destinado ao acolhimento”, observa o pesquisador Günter Padilha. Ele destaca também a ausência de políticas públicas voltadas à sensibilização da população e à importância do trabalho dos migrantes para a economia e o desenvolvimento.