Adaptação dos migrantes é marcada por desafios 

Novos moradores constroem identidades híbridas e buscam encontrar “tribos” para se sentir em casa 

Gustavo Henrique Reiter 

No passado, era comum que muitos blumenauenses conhecessem seus vizinhos e estivessem conectados de alguma forma. Mas nos últimos 20 anos, grandes mudanças ocorreram nesse cenário. A principal foi a chegada de novos moradores, vindos dos mais diferentes estados do Brasil. 

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), no ano 2000 havia 19 mil migrantes na cidade. Já o Censo de 2022 revela que um a cada quatro moradores de Blumenau não nasceu na cidade, nem em Santa Catarina. Ou seja, dos 361 mil habitantes, cerca de 90,4 mil vieram de outros estados: um aumento de mais de 70 mil pessoas de fora vivendo no município. A maioria veio do Paraná, com Rio Grande do Sul, São Paulo e Pará na sequência por número de migrantes. 

Cada migrante traz consigo a própria cultura e, em Blumenau, os novos moradores se deparam com uma cidade marcada por costumes que remontam a colonização europeia, em especial a germânica e italiana. O município se orgulha das suas origens, presentes até hoje na arquitetura, culinária e festas, como a Oktoberfest e a Festitália. Por conta disso, os recém-chegados podem enfrentar dificuldades no processo de acolhimento e adaptação cultural.  

“Existe um medo do desconhecido aqui, é uma região que tem muito orgulho das suas origens. E quando pessoas que não se encaixam nesse padrão chegam, ocorre uma repulsa por parte do blumenauense”, comenta Ana Clara Souza, migrante do Pará e mestranda em migrações na região do Médio Vale do Itajaí. 

Ana Clara, migrante do Pará traz sua visão como mestranda em migrações na região do Médio Vale

Com isso, os recentes membros do município desenvolvem a chamada “identidade híbrida”, uma mistura entre os costumes e valores que trazem de sua cultura de origem com os do novo local onde se estabelecem. Segundo o sociólogo e professor da Universidade Regional de Blumenau (Furb), Maiko Spiess, ela acontece naturalmente, pois quando a pessoa está em um novo local, tende a ressaltar os traços da sua cultura original, os quais acabam ficando mais evidentes no cotidiano atual. 

Com o tempo, alguns migrantes podem desenvolver a percepção de que não pertencem mais ao local de origem, mas tampouco se sentem integrados ao novo ambiente. Com isso, podem desenvolver sentimentos como ansiedade e tristeza. Foi o que aconteceu com o gaúcho Mateus Ribeiro. “Como eu não conhecia ninguém, a minha ansiedade piorava. Então, resolvia correr e por isso conheci alguns pontos da cidade, como o Parque Ramiro”, conta. 

Mateus Ribeiro, migrante do Rio Grande do Sul veio para SC para ser bombeiro

Achando suas “tribos” 

O sonho de Mateus era ser bombeiro e soube que o Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBMSC) estava com um concurso aberto. Ele foi aprovado e encontrou sua “tribo” no trabalho. Lá percebeu que os socorristas têm essa visão de ajudar o próximo e o auxiliaram na adaptação à cidade. 

As universidades também têm se tornado espaços de acolhimento para migrantes internos e internacionais. Estudantes vindos de outros locais relatam que a convivência acadêmica facilita a criação de vínculos e o sentimento de pertencimento.  

Ana Clara Souza, mulher negra e migrante do Pará, é formada em Ciências Sociais pela Furb e está concluindo o mestrado. Para ela, a universidade foi o lugar onde conseguiu achar sua “tribo”. “O que me fez sentir pertencente a esse lugar foram as amizades que eu criei aqui. Com os meus amigos e os professores do meu curso eu me senti acolhida. Além disso, acabei conhecendo a minha namorada na instituição”, relembra. 

O sociólogo Maiko explica que as comunidades de conterrâneos também são importantes nesse processo de adaptação “Ao fazer algo com pessoas que passaram pelo mesmo processo migratório, o novo morador cria um sentimento de conforto, segurança e solidariedade. Mas, paradoxalmente, faz com que elas sejam percebidas como um grupo a parte e muito fechado”, observa. 

A presença de comunidades de paranaenses, gaúchos, paulistas, paraenses e de outros estados reforça a diversidade cultural da cidade, mas também evidencia os desafios da convivência entre diferentes identidades e costumes. 

Para o gaúcho Mateus Ribeiro, para viver bem em uma nova terra, o mais importante é se manter autêntico ao local de onde veio. “Tenha paciência e não fique comparando a cultura daqui com a de casa”, aconselha.  

Já a estudante Ana diz que é preciso ser firme. “Não abaixe a cabeça e ocupe os espaços que muitas vezes nos são negados. Precisamos discutir sobre o fato de que as pessoas vindas de outros locais que possuem traços racializados sofrem ainda mais preconceito. É necessário lutar para que os outros se sintam mais confortáveis”, afirma. 

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