Costumes se misturam e revelam como a convivência entre culturas transforma o cotidiano de quem migra dentro ou fora do Brasil
Amanda Deschamps
Quando se viaja para outro estado ou país, perceber diferenças culturais é uma experiência comum. No entanto, esse impacto é ainda mais forte para quem decide se mudar de forma definitiva. Os movimentos migratórios, tanto dentro quanto fora do Brasil, demonstram como hábitos, costumes e tradições se encontram, se transformam e geram novas formas de convivência.
Entre janeiro e novembro de 2024, o Brasil registrou a entrada de 180.507 migrantes no território brasileiro segundo o Boletim da Migração da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus). Em um contexto nacional entre 2017 e 2022, cerca de 3 milhões de pessoas mudaram de região no Brasil, passando a residir em locais diferentes daqueles onde viviam anteriormente. No mesmo período, a região Sul registrou o maior saldo migratório regional do Brasil, com a chegada de aproximadamente 362 mil novos moradores, de acordo com o Censo Demográfico 2022.
A chegada de migrantes impacta diretamente a cultura local. Ao se estabelecerem em um novo território, essas pessoas não apenas se adaptam ao cotidiano, mas também trazem práticas e costumes que se misturam às tradições já existentes, na culinária, na música, nas danças e até no modo de vestir.
Gabriel Monteiro saiu de Blumenau para viver em São Paulo. A experiência revelou o impacto na sensação de segurança ao trocar uma cidade de médio porte por uma metrópole. “A coisa mais impactante ao vir para São Paulo foi o receio da violência, porque a gente perde a sensação de segurança e percebe que as pessoas aqui são mais reclusas e fechadas por conta disso”, comenta.
Ele percebeu que o estilo de vida no estado paulista é mais acelerado e individualista em comparação a Blumenau. Também identificou uma diferença cultural no modo como as pessoas se relacionam.
Essas percepções se repetem em outros deslocamentos pelo país. Luísa de Andrade Deschamps saiu do Nordeste para morar em Blumenau, por motivos familiares, e notou a divergência logo na chegada. “O sotaque, a maneira de agir e, principalmente, as festas locais chamaram atenção. Mas, o que mais me marcou foi descobrir que o carnaval não é comemorado em Blumenau”, aponta.
As diferenças ultrapassam fronteiras, como é o caso de Paola Stefhany Pereira González, que veio da Venezuela para Blumenau há seis anos. Para a imigrante, a culinária, as comemorações e as festas locais foram as primeiras diferenças culturais notadas. “No meu país quase não se come feijão, mas aqui aprendi a preparar e meus filhos adoram”, conta.
Essa adaptação reflete a realidade de muitos imigrantes no Brasil, um país que continua sendo uma opção para quem busca novas oportunidades ou recomeçar a vida. Foi o caso de Paola, que escolheu o Brasil buscando melhores condições de vida e encontrou em Blumenau um novo lar. “O primeiro lugar que eu pesquisei foi o Brasil, mas especificamente Blumenau. Me falaram que é a melhor cidade em Santa Catarina para morar, e já estou há anos vivendo aqui”, recorda.
O destino escolhido por Paola também ilustra a diversidade do território brasileiro. Quinto maior país em extensão territorial do mundo, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil tem culturas distintas que se expressam em cada uma das cinco regiões.
No Nordeste, destacam-se ritmos como forró e frevo e a culinária típica. No Norte, festas amazônicas como o Círio de Nazaré e sabores regionais marcam a identidade local. O Centro-Oeste combina artesanato, gastronomia com pequi e tradições folclóricas. No Sudeste, Carnaval, festas juninas e gêneros musicais como bossa nova se destacam. Já o Sul preserva festas locais, como a Oktoberfest e a Festa da Uva, e receitas tradicionais como churrasco, café colonial e cuca.
Ari Elias da Silva Júnior, natural do Pará, mora em Santa Catarina há quatro anos e revela o que mais lhe atraiu na região. “A Oktoberfest chamou muito a minha atenção. É uma festa bonita, que reúne pessoas de vários lugares”, destaca.
Convivência e conflitos culturais
A convivência entre culturas distintas incentiva a criatividade e promove a inclusão. No entanto, essa diversidade também apresenta desafios. Tensões e preconceitos podem surgir da falta de compreensão ou da resistência à diferença.
Luísa já ouviu comentários xenofóbicos por ser nordestina. Gabriel sentiu em são Paulo mais dificuldade para manter os laços de amizade. Já Ari sentiu o sulista mais reservado, diferente do nortista, que segundo ele é mais caloroso.
A xenofobia não é o único desafio enfrentado por quem migra. O afastamento da cidade natal traz saudade e estranhamento, dificultando manter amizades e relacionamentos. A adaptação também se complica quando a mudança envolve lugares com costumes muito diferentes.
Ari, Luísa, Paola e Gabriel, como muitos migrantes, tem aprendido a lidar com uma rotina marcada pelas diferenças culturais. Gabriel se acostumou ao ritmo acelerado da cidade, Luísa passou a participar das festas típicas do Sul, Paola incorporou o hábito de cozinhar feijão, e Ari convive com o humor característico dos sulistas. Essa adaptação se repete entre os mais de 19 milhões de brasileiros que vivem em estados diferentes daquele em que nasceram, segundo o Censo Demográfico de 2022.


















