Migrantes de países mais ricos costumam ser mais bem recebidos do que de outras partes do mundo
Por Amabile Fernandes
A presença de imigrantes em Santa Catarina cresce ano após ano, mas a forma como cada pessoa é recebida ainda depende de fatores como origem, aparência e contexto cultural. Em meio a esse cenário, diferentes experiências revelam contrastes entre acolhimento e estranhamento.
Blumenau se consolidou como destino de muitos imigrantes que buscam segurança, novas oportunidades e qualidade de vida, mas a realidade de muitos deles que chegam a Blumenau, principalmente haitianos, pode ser muito mais dura. Segundo o presidente da Associação de Imigrantes de Blumenau, que atua diretamente no acolhimento dessas pessoas, não existe apoio estrutural do poder público.
“Se a pessoa chega sem dinheiro no bolso, principalmente os haitianos, ela mora na rua”, explica. Para evitar que isso aconteça, a associação realiza um trabalho diário de acolhimento emergencial. “A gente busca um lugar para a pessoa viver, alguma família que tenha um espaço vazio para encaixar ela”, conta.
Além disso, a associação cuida de necessidades básicas que muitos não imaginam. “Para as mulheres, por exemplo, a gente precisa comprar absorvente”, relata. A equipe também monitora diariamente a rodoviária, onde frequentemente chegam imigrantes perdidos, sem informações e sem ter para onde ir. “Passamos lá para socorrer, para ficar de olho”, diz.
E quando surgem situações de racismo e xenofobia, algo que, segundo ele, é muito frequente, a associação também intervém. Há apoio psicológico e orientação emocional. “A gente ensina que existe preconceito, mas que a pessoa não pode pegar isso para si. O problema está em quem comete a ofensa, não em quem sofre”, reforça.
A poucos quilômetros dali, no entanto, as ruas de estilo enxaimel exibem com orgulho placas em alemão, e a Oktoberfest, uma das maiores festas típicas do país, celebra, ano após ano, a herança dos imigrantes europeus que ajudaram a fundar o município.
Segundo a pesquisa “Opiniões sobre Migrações”, realizada pelo Datafolha em parceria com a Conectas Direitos Humanos, a percepção sobre migrantes no Brasil depende fortemente da origem e da cor da pele. O levantamento, feito em 2023, mostra que 83% dos brasileiros acreditam que migrantes de países ricos são bem recebidos, enquanto esse número cai para 80% quando se trata de migrantes de países pobres. Já 14% dos entrevistados afirmaram que o Brasil recebe “mal” ou “muito mal” migrantes vindos de nações menos desenvolvidas, para apenas 2% que têm a mesma opinião sobre quem vem de países ricos.
Mais revelador ainda é o motivo apontado pelos entrevistados: um em cada cinco brasileiros acredita que a cor, a raça ou a etnia é o principal fator que define como migrantes são tratados no país, à frente de aspectos como religião, identidade de gênero ou orientação sexual.
A experiência de quem encontrou as portas abertas
A vivência do taiwanês Eduardo Pan, proprietário de um restaurante na cidade, revela outro lado dessa recepção. Ele e a esposa chegaram a Blumenau há 26 anos, após se encantarem pelo país durante a lua de mel.
“Na época, a gente veio só para passear, mas eu me apaixonei pelo Brasil. Decidimos ficar”, conta. Para ele, a cidade foi acolhedora desde o início. “O povo daqui é caloroso, me senti bem recebido”, aponta. Mesmo assim, a experiência teve nuances. “Uma coisa que percebi é que fui melhor recebido por pessoas que também vieram de outros estados do que por quem já era daqui”, revela.
A experiência de Eduardo é semelhante à da cubana Yanet Barrios, que vive em Blumenau desde 2016. Apesar de ter encontrado acolhimento na universidade, ela lembra que o contraste cultural ficou evidente logo nos primeiros meses.
“Os costumes são bem diferentes. O pessoal aqui é bem mais fechado”, diz. Yanet conta que, ao visitar o Nordeste no mesmo ano em que chegou, sentiu um acolhimento muito mais parecido com o de Cuba. “Eu me achei lá. As pessoas eram bem mais abertas, mais espontâneas. Aqui foi um pouco mais difícil no começo, mas com o tempo fui entendendo a cultura e me adaptando”, recorda.
Ela também destaca o peso emocional do processo migratório. “É uma experiência incrível, mas traz uma saudade muito grande do que você deixa para trás, da família, das comidas, das pequenas rotinas”, comenta. Ainda assim, guarda carinho pela cidade que a acolheu. “Eu adoro Blumenau. Até agora, nunca passei por uma situação de preconceito ou racismo”, afirma.
Origem e aparência podem definir quem pertence ao território
A seletividade no acolhimento de imigrantes também é percebida por especialistas da área. Para o professor Nelson Garcia Santos, doutor em Desenvolvimento Regional, a forma como uma comunidade reage à chegada de pessoas de outros países, ou mesmo de outras regiões do Brasil, segue padrões históricos ligados à ideia de pertencimento.
Segundo o pesquisador, a forma como os imigrantes são recebidos em regiões do Sul ainda passa por filtros que têm origem na própria ideia de “quem pertence” ao território. Ele explica que fatores como origem e aparência influenciam diretamente nesse processo e que, historicamente, algumas presenças são lidas como mais “aceitáveis” do que outras. Para ele, em lugares que se veem como herdeiros de uma identidade europeia, como o Vale do Itajaí, esse padrão pesa. “Quem se encaixa nesse imaginário costuma ser recebido com mais facilidade”, afirma. Já imigrantes negros ou vindos de países mais pobres enfrentam barreiras que começam na chegada e se estendem ao mercado de trabalho, ao aluguel e ao cotidiano.
Identidade
O contraste também aparece na forma como diferentes grupos são retratados. Enquanto descendentes de alemães e italianos são celebrados como parte da identidade cultural do Vale do Itajaí, migrantes contemporâneos, especialmente negros e latino-americanos, muitas vezes enfrentam olhares de desconfiança ao ocupar os mesmos espaços.
No fim, ser ou não considerado “bem-vindo” não depende apenas de cruzar fronteiras, mas de atravessar barreiras simbólicas que ainda definem quem é reconhecido como parte da comunidade, e quem continua sendo visto como estrangeiro, mesmo depois de fazer do Brasil o seu lar.