A imigração em Blumenau e o seu reflexo no preconceito em Santa Catarina

Dados históricos e relatos mostram efeitos da imigração e do preconceito na região

Por Matheus Lavall

A imigração marcou o desenvolvimento de Blumenau e de Santa Catarina com a chegada de açorianos, alemães, italianos e outros grupos que influenciaram a cultura e a economia. Esse processo também registrou manifestações de preconceito, que permanecem na sociedade e atingem novos imigrantes, como haitianos e africanos, além de pessoas vindas de outras regiões do Brasil.

A historiadora Sueli Petry explica que o surgimento do preconceito remonta ao período da colonização do Brasil. No início, o primeiro contato entre imigrantes europeus e nativos provocou conflitos. Segundo ela, os embates estavam ligados à disputa por território e ao acesso a alimentos. Como os indígenas não conheciam a ideia de propriedade privada, eles circulavam livremente pelas matas, incluindo as áreas ocupadas pelos colonos. Suely aponta a imigração como fator determinante para o desenvolvimento territorial e econômico, mas destaca que práticas de discriminação permanecem atualmente.

A professora de Sociologia da Universidade Regional de Blumenau (Furb), Luciana Butzke, afirma que o preconceito tem origem no contato inicial entre europeus e povos nativos, o que gerou isolamento cultural no período colonial. Segundo ela, esse comportamento se reproduz até hoje. “Este tipo de preconceito tem uma raiz histórica e, em alguma medida, permanece até os dias atuais”, afirma.

Esse contexto também aparece no Censo de 1872, primeiro levantamento populacional do Brasil, que registrou dados sobre sexo, raça, estado civil, religião, alfabetização, condição de liberdade, nacionalidade e profissão. As informações foram distribuídas pelas paróquias, preenchidas pelos chefes de família, e tinha multa para quem não respondesse. Os dados foram contabilizados manualmente e atualmente estão digitalizados.

O levantamento ocorreu durante a formulação de políticas sobre o fim da escravidão e a entrada de imigrantes europeus. Os resultados apontavam cerca de 382 mil estrangeiros no país, com predominância de portugueses, alemães e italianos. A classificação racial separou os brancos por origem e agrupou os negros como africanos, divididos entre escravizados e alforriados. Os registros também indicam o início de ações para substituir a mão de obra escravizada por imigrantes europeus, movimento que, entre 1870 e 1930, trouxe cerca de quatro milhões de europeus ao Brasil, número semelhante ao de africanos trazidos durante o tráfico negreiro. “Esses dados históricos ajudam a perceber o caminho da imigração no Brasil”, aponta a professora Luciana, que reforça a relevância desse material para a compreensão histórica.

No contexto atual, o preconceito pode ser medido pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que indica aumento superior a 50% nos registros de racismo e homofobia em 2022. Pesquisa do Datafolha de novembro de 2024 aponta que 45% dos brasileiros acreditam no crescimento do racismo nos últimos anos, e 56% afirmam perceber preconceito nas atitudes das pessoas.

Relatos e principais fatores do movimento imigratório em Santa Catarina

O preconceito pode se manifestar de diferentes formas e, às vezes, se apresentar de forma sutil. Neiva Kurpel, 37 anos, chegou do Paraná quanto tinha 14 anos e recorda episódios de discriminação. “Perguntavam meu sobrenome, que era de origem italiana, e respondiam que eu nem era gente”, lembra. Ao mesmo tempo, destaca que a cidade ofereceu apoio à família. “Minha mãe veio tratar um câncer e recebeu ajuda, já que não tinha condições de trabalhar”, conta.

O estudante de Jornalismo da Furb, Osvaldo Mané, originário de Guiné-Bissau, no continente africano, afirma que na universidade não sofreu discriminação, mas observa situações no dia a dia. “Se eu sentar primeiro no banco do ônibus, muitas vezes ninguém se senta ao meu lado. Vim preparado para isso e percebo que não há tanto racismo quanto pensava”, afirma. Apesar desses episódios, ele diz estar se adaptando à nova rotina. “Gosto da cidade por ser tranquila e com poucos sinais de violência”, diz.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgados em maio de 2025 pelo IBGE, apontam que Santa Catarina teve a menor taxa de desemprego do país no início de 2025. O estado também aparece entre os menos violentos, conforme o Atlas da Violência, e reúne cidades com indicadores elevados de qualidade de vida, o que costuma atrair migrantes.

A socióloga Luciana explica que um dos principais fatores da imigração é a busca por melhores condições. “As pessoas de outras regiões, principalmente do Norte e do Nordeste, migram para o Sul em busca de novas oportunidades, mesmo tendo que enfrentar manifestações de preconceito presentes no estado”, afirma.


“As pessoas migram por necessidade, em busca de novas oportunidades, porém acabam tendo que lidar com manifestações de preconceito produzidas socialmente”.

Luciana Butzke, socióloga.


Para enfrentar situações de preconceito e facilitar a adaptação dos imigrantes, a Furb mantém iniciativas de integração para apoiar migrantes que chegam à região. A universidade oferece aulas de português para estrangeiros, o que facilita a comunicação no cotidiano e reduz barreiras na busca por trabalho e serviços públicos. Também desenvolve ações por meio da Incubadora Tecnológica de Cooperativas (ITCP), que auxilia na inserção desses grupos no mercado de trabalho por meio de orientações, cursos e apoio à geração de renda. Essas atividades buscam diminuir os obstáculos enfrentados por imigrantes e ampliar oportunidades de participação social no município.

Segundo Luciana, é necessário apoiar imigrantes com políticas de integração, como campanhas educativas, investimento em educação, conscientização sobre os efeitos positivos da imigração e atividades voltadas ao aprendizado do português, incluindo aulas noturnas e suporte para pessoas com filhos. Para a socióloga, essas medidas são essenciais para o acolhimento e o bem-estar dos migrantes. “A partir destas medidas, futuramente conseguiremos olhar e nos entender como seres humanos e não baseados em distinção social, de gênero e cor”, diz.

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