Do Pará para o Vale do Itajaí: um pedaço da Amazônia em cada prato

Restaurante de Blumenau preserva tradições do Pará com culinária, arte e música em celebração à diversidade cultural da cidade

Por Victor Guerreiro

Entre paredes amarelas decoradas com grafismos marajoaras, ficam cumbucas que pendem das prateleiras e disputam espaço com vidros, temperos e ingredientes trazidos diretamente do Pará. É no Varanda Amazônica, em Blumenau, que o cheiro de tucupi se mistura à música ao vivo e o carimbó ressoa enquanto as mulheres rodopiam em saias pelo restaurante. No canto, quadros de artistas paraenses, incluindo a pintura da matriarca “Maria de Belém”, olham para os clientes, lembrando histórias que cruzaram mais de dois mil quilômetros para se fixar no Vale do Itajaí.

O restaurante nasceu da saudade de casa de Wesley Tossan, 31 anos, que veio de Belém há 11 anos. Deixou o emprego na Casa de Apoio à Saúde Indígena e, ao receber um convite de um amigo que já era morador de Blumenau, nem pensou duas vezes ao vir conhecer a cidade na época de Oktoberfest. “E me lembro que, naquele período que cheguei, o que me chamou mais atenção foram as diversas placas de emprego por todo o lugar, dizendo ‘contrata-se’, e eu achei aquilo curioso porque na cidade de onde eu venho, não tem isso”, aponta.

Após um período de adaptação, Wesley sentiu que precisava trazer consigo um pedaço de casa. Por isso, há dois anos, o restaurante nasceu da saudade dos aromas, sabores, cores e sons que não cabiam apenas em viagens de volta ao Pará. “É um refúgio, não só para nós, mas para quem chega aqui, senta para tomar um café e comer alguma coisa. A ambientação vai desde a música até as comidas, então é para a galera se sentir em casa mesmo”, explica. Quatro anos após chegar na cidade, a mãe dele, Alcione, também veio para Blumenau e atualmente trabalha como cozinheira no Varanda Amazônica.

Roberto Cardoso, 52 anos, tio de Wesley, artista plástico e gerente do restaurante, veio de Icoaraci, perto de Belém. “A razão para vir para Blumenau foi pelo fato que me senti parado no tempo profissionalmente. Quanto às dúvidas e preocupações, foram apenas em relação à companheira e filhos que iriam deixar a família para me acompanhar, se eles iam se adaptar ou não, considerando a distância”, comenta. Desde a pandemia, Beto, como é mais conhecido, redescobriu antigos talentos e produziu cerca de 100 obras de arte, vendidas inclusive para clientes no exterior. As pinturas, feitas em telas com tinta a óleo e acrílica, buscam o realismo e retratam o cotidiano e a cultura do Pará, reforçando a identidade do restaurante.

O Censo Demográfico de 2022 do IBGE revelou os principais estados de origem de quem migrou para Blumenau nos cinco anos anteriores à pesquisa. No topo da lista, está o Pará com 4.810 novos moradores. Segundo Eduardo Werneck Ribeiro, geógrafo e professor do Instituto Federal Catarinense, a migração contemporânea mantém traços históricos. “A motivação era, obviamente, a questão da busca de oportunidades e melhores condições de vida. Por mais que as circunstâncias históricas sejam diferentes, como a colonização; a outra se dá por uma perspectiva de renda e busca por emprego”, afirma. Para a geografia, o processo migratório costuma passar por quatro etapas: pioneirismo, estabelecimento, atração e rede de apoio.

“Quando o pioneiro vem, estabelece, desbrava e, a partir disso, começa a contar para a sua rede particular de amigos e familiares que teve sucesso, isso começa a ser difundido. Essa pessoa passa a ser uma referência”, esclarece. O geógrafo explica que, com essa comunicação “boca a boca”, as histórias de sucesso e encontro de uma qualidade de vida melhor, às vezes, mobilizam famílias inteiras a migrar.

“A identidade é realmente um elemento importante quando pensamos em uma homogeneidade social. O Brasil é um país heterogêneo. A música do Chico Buarque conta bem isso: ‘O meu pai era paulista, meu avô, pernambucano, o meu bisavô, mineiro’ e assim vai. Então, essa leitura de uma nação homogênea no Brasil não rola”, aponta.

A experiência sensorial do Varanda Amazônica traz essa teoria para a prática. Tacacá e maniçoba exalam os aromas, os temperos despertam o paladar, o som do carimbó e da roda de dança contagiam. Para Blumenau, cidade com forte identidade alemã e italiana, o restaurante abre uma janela para outra cultura, como lembrete de que a cidade vai além das tradições fundadoras.

“Por mais que a gente tenha uma iniciação na colônia na cidade alemã, ela não pode ficar rotulada para sempre como uma colônia alemã. Conservar a memória dos que conseguiram chegar aqui e se estabelecer primeiro é muito importante, mas não pode ser exclusivamente sobre ela. Existem outras histórias não contadas, outros fluxos chegando e nós devemos dar a mesma atenção a eles”, explica Ribeiro.

Entre as mesas, sotaques e risadas que se misturam em um clima de familiaridade. Para quem chega, o Varanda Amazônica não é apenas um restaurante, é um ponto de encontro entre o que se deixou para trás e o que ainda está por vir culturalmente.

“Meu sobrinho e irmã colocam suas almas nesse lugar, deram o melhor deles. Posso dizer que, durante minha estadia aqui, o povo que conhece e consome a comida paraense aprova e deixa passar a sensação que viveu momentos de alegria aqui. Oferecemos algumas músicas ao vivo e roda de samba, bem como carimbó, onde as mulheres têm a opção de usar saias oferecidas pelo restaurante para sentir a emoção da música e o ritmo, completando assim uma vivência extraordinária”, convida Beto.

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