Os desafios que as bibliotecas de Blumenau enfrentam para acompanhar os avanços tecnológicos
Mayara Cristina Korte
Quem entra pela primeira vez em uma biblioteca, encontrará o lar da história da humanidade e de outros mundos também. Porque não apenas guarda a trajetória do homem, mas preserva as histórias criadas por ele. Cada instante, entre as alinhadas prateleiras e os inúmeros exemplares metodicamente catalogados, transforma-se em oportunidade de descobrir diferentes versões da realidade e memórias de diversas épocas. A biblioteca transporta o leitor a um mundo paralelo tangível nas mãos que folheiam as páginas dos livros. Mas, em pleno século XXI e com a ascensão do mundo digitalizado, essas estruturas são desafiadas e a sua resiliência é testada diante da disponibilidade digital de conteúdos e livros.
“Biblioteca é transformação”, é a definição que Daniele Rohr tem da estrutura. Daniele vê a biblioteca como um lugar constantemente desafiado a se adaptar. Bibliotecária há sete anos, sabe que não é possível fugir do avanço da tecnologia. Faz mais de um ano que está à frente da Biblioteca Universitária Prof. Martinho Cardoso da Veiga e acredita que esse patrimônio, assim como os livros, podem transformar vidas e impactar pessoas. Acima de lutar contra a tecnologia, é encontrar um caminho para que convivam em harmonia em benefício da universidade e dos leitores.
O imponente prédio pertence a Universidade Regional de Blumenau (FURB) e é um destaque na paisagem do bairro Victor Konder. Faz parte do Câmpus 1, ocupando a esquina entre a Rua São Paulo e a Antônio da Veiga, estendendo-se para ambas as direções. No momento não conseguem fazer a contagem de quantas pessoas passam pelo prédio, as catracas localizadas ao lado do balcão de atendimento na entrada estão com problemas. Mas, de acordo com os últimos números, em média passam 1.300 pessoas diariamente pelos 8 mil m² da biblioteca. Pode ser um prenúncio, ainda que sutil, de que a estrutura que abriga os livros começa a enfraquecer diante da indiferença do organismo social para o incentivo à leitura.

A biblioteca nem sempre esteve no grandioso prédio, inaugurado em 1986. O pequeno acervo nasceu em 1969, com sede no piso superior do bloco A, o primeiro a ser erguido. Poucas pessoas sabem o nome completo da biblioteca. Ele foi escolhido em homenagem a um dos fundadores da universidade, cujo rosto está eternizado por um busto instalado ao lado da entrada principal.
Em cinco décadas, fez parte da vida de inúmeros estudantes e servidores. Para quem viveu a universidade, uma passada no prédio é obrigatória. Não há como passar os anos seguintes sem ter contato com o lugar que fornece boa parte dos materiais usados pelos alunos e professores. “Costumava utilizar para estudar, e, principalmente, fazer trabalhos em grupo”, conta Janaína Baade, que manteve uma relação muito próxima com a biblioteca universitária. Agora já está formada, cursou Publicidade e Propaganda na FURB e conquistou o diploma em 2013, mas continua indo até lá para emprestar livros. Também lê livros online, não dispensa essa facilidade. Muitas vezes consome mais de um ao mesmo tempo, intercalando, entre as páginas impressas e as virtuais.
Janaína é uma daquelas pessoas que, desde que pegou um livro na mão, nunca mais largou e parou de ler. O incentivo veio de casa, fazendo jus à frase “educação vem de berço”. Desde pequena gostava de ler, uma paixão incentivada pela sua mãe, que é professora e comprava livros e revistas infantis para a filha. Mas não foi na infância que “virou amor”, como Janaína define. “Foi quando comecei a faculdade e conheci a biblioteca, com um mundo de livros disponíveis sempre que eu quisesse”, relembra.
Para quem passou oito semestres de curso percorrendo os corredores da biblioteca, como é o caso de Janaína, foi inevitável criar uma relação de muito respeito. Para ela é um mundo de possibilidades. “É um lugar que me transformou muito”, compartilha. Os livros que pegou por lá, a ajudaram a amadurecer a sua visão de mundo.
É uma das maiores bibliotecas universitárias, com um acervo invejável de mais de 400 mil obras, um dos maiores do estado de Santa Catarina. Um título que leva com muito orgulho. É um espaço com capacidade para transformar e ajudar quem passa por ali.
A experiência capaz de proporcionar para quem entra na estrutura é algo que começa assim que vislumbra, do pátio em frente a biblioteca, as suas formas. O imponente prédio parece se elevar na paisagem em um gesto de altivez pela sua caminhada de cinco décadas dedicados a construir uma biblioteca exemplar. As linhas retas e sólidas refletem um recorte da cidade de Blumenau e o vai-e-vem dos alunos constantemente apressados ou que aproveitam os bancos ao redor do prédio para descansar, esperar a próxima aula, encontrar-se com um amigo, ou somente usar o Wi-Fi. A alta escadaria termina em frente a uma larga porta de vidro que guarda um hall espaçoso e bem iluminado, atraindo muitos visitantes, por vezes desinteressados nos livros, mas intrigados e envolvidos com as exposições que promove no espaço a esquerda antes da catraca. A biblioteca não passa despercebida.
Porém, a pompa enfrenta um desgaste. Os livros emprestados mostram as metamorfoses do relacionamento com o leitor. Não é somente o consumo das literaturas que é afetado, mas os livros científicos também são impactados pelas mudanças de comportamento na era digital. Daniele não precisou levantar muitas informações antigas para ser possível compreender, bastou os dados do último ano e o atual. Em 2017, foram mais de 588 mil empréstimos de obras da coleção geral da biblioteca, uma média de 49 mil por mês. Em 2018, o número demonstra o desgaste que o hábito da leitura do acervo tem enfrentado. Foram cerca de 422 mil empréstimos.
A alguns quilômetros de distância, em uma região de pontos históricos e turísticos, a biblioteca pública resiste diante da fragilidade das relações com os livros. Vivencia as transformações do relacionamento em uma escala mais abrangente, pois atende toda a comunidade blumenauense.
A Biblioteca Municipal Fritz Müeller é a única pública da cidade. Segundo o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), no Brasil há 6057 estruturas do tipo mantidas pelo governo, 296 estão em Santa Catarina. Localizada na Alameda Duque de Caxias, conhecida como Rua das Palmeiras, está em frente a uma estreita e longa praça contornada por largas e frondosas palmeiras reais, muitas delas plantadas nos tempos da colonização da cidade.
Ela está estabelecida em um dos prédios históricos e mais tradicionais de Blumenau. A antiga casa erguida no terreno intensamente arborizado pertencia a Edith Gaertner, sobrinha-neta do fundador da cidade, Dr. Blumenau. Há 66 anos, a estrutura foi doada para a cidade e passou a abrigar a biblioteca, antes localizada em uma sala da antiga prefeitura da cidade. Não só imortaliza parte da história do município, mas também do naturalista Fritz Müeller, levando o seu nome na placa de ferro do prédio.
Consideravelmente menor que a biblioteca universitária, hoje possui mais de 64 mil livros, cinco mil apenas na língua alemã. Seu acervo já foi maior, mais de 85 mil obras, mas as enchentes de 1983 e 1984 destruíram boa parte. Nem desastre natural até agora derrubou-a. A sobrevivência torna-se um teste de resistência em uma era de tecnologia, lutando contra o tempo e decidindo se une-se ao inimigo, já que não se pode derrotá-lo.
Uma vida de dedicação
A maioria dos estudantes que passam pelos corredores da biblioteca da FURB irão frequentá-la durante os quatro a oito anos de curso e depois seguirão seu rumo, possivelmente retornando para suas cidades de origem. Parte da população da universidade não é natural de Blumenau. Mas há quem fique, ano após ano.
Maurício da Silva é parte da memória da biblioteca. Trabalha no local desde agosto de 1983 e é o funcionário mais antigo. “Não sei por que fiquei tanto tempo aqui, eu gosto”, é a simples e curta explicação que dá sobre o local que escolheu para ser a sua segunda casa e ganha-pão desde os 14 anos. Construiu sua vida entre as paredes da FURB e nunca pensou em sair dali. A simplificada resposta combina com Maurício. Homem de poucas palavras, simpático e calmo, já com os cabelos brancos, apesar de estar na casa dos quarenta e poucos anos.
Muitos podem dizer que se “esconde”, já que seu local de trabalho não está muito à vista dos estudantes e poucas pessoas conhecem. Mas seu esconderijo é, na verdade, de fácil acesso. Basta, após a catraca, virar à esquerda e descer a rampa até o final de um curto corredor com ares um pouco fantasmagóricos, apesar de não estar longe da movimentação.
O local fica em uma das partes mais antigas da biblioteca e mantém um clima que remete aos cinquenta anos da estrutura, destoando de uma forma interessante dos amplos andares e sua fachada de grandes janelas que refletem o constante movimento de estudantes.
A decoração da sala onde trabalha parece ter sido planejada ao longo do tempo para ser em tons de marrom e cinza. Os móveis ultrapassados fazem conjunto inusitado com mesas e cadeiras mais modernos, que harmonizam com uma enorme variedade de livros e documentos espalhados por todo lado. As mesas pela sala são contornadas pelos livros e papéis. É um local em que a tecnologia pouco invadiu. Maurício nem computador tem.
Ele trabalha no setor de recuperação de livros danificados e preservação de obras antigas, uma função que exige paciência, dedicação e um olhar apurado. “Não dão valor para os livros, rabiscam, usam caneta”, confessa, desapontado por não respeitarem as obras. Fala que isso já diminuiu, um tempo atrás acontecia com mais frequência, as pessoas até arrancavam as páginas por preguiça de fazer cópia. Para ele deveria ser obrigatória a visita a biblioteca cada semestre. Os alunos precisam ser apresentados para a estrutura para que saibam valorizá-la e cuidar do seu acervo.
Maurício considera a leitura algo importante, mas não tem muito tempo sobrando para ler, apesar do seu trabalho. Aproveita a leitura de uma página aqui e ali quando está com os livros na mãos para recuperar ou cuidar. Assim, sabe de tudo um pouco. “Eu leio e dou uma folheada quando encontro um assunto que me interessa, mas lá em cima não vou muito”, explica ao falar dos andares acima do seu esconderijo.
O serviço que faz ali naquela sala é mais para a biblioteca, para manter os livros em uma situação usável e preservar seus livros e documentos. Maurício, que há 35 anos acompanha muitas pessoas entrarem e saírem, é convicto ao falar que ela é o que é hoje, com o grande acervo que tem, por causa de quem trabalha lá. “Se não fosse a gente, não funcionaria assim”, opina.
Maurício vê a sua profissão como fadada ao esquecimento. Até agora, tão importante para a preservação do acervo da biblioteca, com a digitalização de matérias cada vez maior, o restaurador de livros acredita que com o passar do tempo sua função não será mais necessária. “Quem é que vai fazer?”, questiona Maurício, conformado com as mudanças inevitáveis em um mundo constantemente mutável.
Onde o virtual e o físico se encontram
“A biblioteca não está em crise”, é a determinada opinião de Araci de Carvalho, gerente da Biblioteca Municipal Fritz Müeller. O otimismo da afirmação é de quem convive e vê as mudanças no comportamento dos leitores e a busca por livros ano após ano. Entende que nada fica estagnado, nem mesmo as bibliotecas e o hábito da leitura.
A experiência de Verena Kirsten, gerente administrativa da Biblioteca Municipal Fritz Müeller, fala mais alto e é suficiente para não assustá-la com os altos e baixos no consumo de livros. Ela e Araci acreditam que é preciso encantar os leitores quando ainda são crianças, pois é na base que formam esse hábito.
Quando Verena começou a trabalhar ali, há 26 anos, os estudantes iam atrás do Almanaque Abril e de enciclopédias que os ajudassem nos trabalhos escolares. Havia pouco interesse e escassos livros infantis e infanto-juvenis, afastando o público jovem da leitura. “Então surgiram os livros do Harry Potter”, explica Verena, vendo a saga como um divisor de águas, um outro capítulo em que uma nova reviravolta é apresentada.
O boom da nova geração de leitores interessados no livro e o surgimento de outros autores promoveram o resgate e despertar do público a partir dos 10 anos. Os enredos modernos com universos extraordinários ou que imitam a realidade, abordando temas e sentimentos que criam identificação com o público, foram a receita perfeita para expandir as mentes jovens e atraí-las para o universo literário.
Janaína Baade continua frequentando constantemente a estrutura mantida pela universidade. Ela a usa para empréstimo de literaturas mesmo depois de formada, porque é acessível. “Eu leria muito menos se não tivesse uma biblioteca à disposição”, explica Janaína, que gosta dos livros de ficção científica e dos clássicos da literatura. Os russos são os preferidos.
Janaína faz parte de um grupo de pessoas que não deixaram de apreciar a leitura com o passar do tempo. Mas essa realidade não se estende a todos e as mudanças no relacionamento com os livros é um constante lembrete de que o hábito da leitura é uma construção delicada, nutrida vagarosamente, e desafiada em consequência de vários fatores.
No Brasil, o incentivo à leitura nunca foi uma prioridade e isso é uma negligência arrastada desde os tempos da colonização. É um benefício que sempre esteve muito restrito às elites. As iniciativas para incentivar o hábito de ler até existem, mas costumam ser isoladas, muitas delas partem de pessoas físicas, entidades e ONGs. “O grosso do movimento brasileiro parte antes da população do que do governo”, explica Daniele, frustrada com a falta de um olhar atencioso para os livros e a construção de um elo entre leitores e as obras.
Bibliotecas são como um organismo, os acervos são os órgãos vitais e os leitores o alimento que o nutre. Sem alimento o organismo definha. No complexo relacionamento cheio de divergências entre o físico e o virtual, a tecnologia é colocada em um patamar de inimiga. Quem trabalha nos bastidores das bibliotecas e nos cuidados com o acervo vê os avanços tecnológicos com aliados na preservação de documentos, fadados ao desgaste do tempo.
“Eu, particularmente, não trocaria um livro impresso por um digitalizado”, diz Daiane Guczak. A franqueza da jovem educadora infantil é de quem encontrou a disponibilidade de conhecimento e a tranquilidade na biblioteca universitária da FURB. Formada em Pedagogia, hoje usa novamente com frequência a estrutura, está fazendo mestrado em Educação na Universidade.
Foi na adolescência que o hábito pela leitura tornou-se parte de Daiane. Na escola em que estudava, havia uma pequena estante com livros, localizada na sala de português. Ela e seus colegas de sala receberam um forte incentivo à leitura do professor de Língua Portuguesa Laércio Guczak, tio de Daiane. “Até hoje, lembro-me de um livro que me marcou muito, o nome era “Inverno na Manhã”, de Janina Bauman”, relembra a educadora.
A biblioteca é um lugar em que se sente acolhida e sempre que pode vai até lá para estudar. A calmaria é perfeita para os estudos. A relação de admiração que Daiane tem com o lugar a faz ter a certeza de que é importante mantê-la. Mas não ignora que a digitalização impacta e é um desafio para as bibliotecas. Do seu ponto de vista, são importantes para pensar a formação dos leitores não somente de livros impressos. Os conteúdos digitais estão entre nós, então é preciso que saibam ler e, acima de tudo, interpretar as diferentes linguagens, sejam impressas ou digitais.
A internet permite que o leitor ultrapasse o meio físico. Entretanto, o mundo ao alcance de um clique é relativo. Desde que saiba lidar com as tecnologias e tenha acesso a internet e a um dispositivo, tudo bem. Se não for esse o caso, o meio mais acessível do mundo torna-se inútil. A biblioteca é a ponte para o conhecimento, permite a acessibilidade de quem não tem proximidade com a tecnologia.
O problema é disponibilizar conteúdo online. Não é uma tarefa tão simples e prática, demanda processos burocráticos e a lei bloqueia muitos procedimentos. A biblioteca universitária lida com isso diariamente na busca de diferentes meios de consultas diferenciados para os alunos. “Temos liberação para o uso impresso das obras, por causa da lei de direitos autorais”, explica Daniele. Para poucas obras a biblioteca tem autorização para usar em versão digital.
As bibliotecas já estão em um processo de transição e incorporando em seu acervo as versões digitais. Essa é uma inevitável consequência do mundo tecnológico que afeta os leitores e sua dinâmica com os livros.
Atuando na educação infantil, Daiane, lembra o autor Néstor García Canclini, um dos maiores pesquisadores em comunicação, estudos culturais e sociologia da América Latina. Em seu livro “Leitores, Espectadores e Internautas”, de 2008, o autor diz que os leitores não são mais apenas leitores, são também espectadores e internautas. Na sociedade atual, talvez seja mais fácil promover o despertar do prazer pelos livros e leituras entre os jovens através dos livros digitais em vez dos livros impressos. “Mas, em meio aos livros impressos e digitalizados, não podemos perder o que se tem de mais valioso nessa história, o prazer pela leitura”, defende Daiane.
Um tesouro que não gera riquezas
Manter uma biblioteca tem um custo bastante elevado. Cada lâmpada a ser trocada não é só uma lâmpada, mas sim um processo que demanda materiais, mão de obra humana e possivelmente escadas bem altas para alcançá-las. “Biblioteca é só despesa”, admite Danielle com uma amarga franqueza. É um serviço que gera gastos mas não oportuniza o retorno financeiro.
O fardo de ser um elefante branco e não dar aos cofres públicos nenhum retorno coloca as bibliotecas em uma posição delicada. Como não gera receita, investir nessas estruturas fica em último plano.
A biblioteca universitária recebe um bom investimento para a compra de livros e os administradores são empenhados em manter o patamar do seu acervo como um dos melhores do estado, assim como tem uma equipe que se dedica a cuidar para que tudo funcione. Isso entra nas avaliações educacionais promovidas pelo governo para listar os melhores cursos e instituições do país. A dedicação é justificável.
A maior parte do acervo da FURB é adquirido por meio de processos licitatórios, o que fornece um razoável valor para adquirir obras. Essa realidade avantajada não é compartilhada pela biblioteca municipal. O espaço é bem cuidado e organizado, mas o prédio tem mais de seis décadas e precisa ser repensado para acomodar melhor os livros e atender as pessoas. O acervo municipal depende essencialmente do público para ser mantido, o investimento governamental não é grande. “A maior parte é doação das pessoas. É do público para o público”, explica Verena Kirsten, gerente administrativa da Biblioteca Municipal Fritz Müeller.
Quando o assunto é acessibilidade, a universidade está mais bem equipada, mas os dois espaços têm problemas para tornar acessível suas obras e estrutura para pessoas com dificuldades motoras e visuais. E isso é um desafio que não ignoram e trabalham para melhorar. Afinal, biblioteca é uma estrutura para a sociedade e deve ser inclusiva a todos.
A biblioteca da FURB tem rampa de acesso que faz curvas complexas para uma cadeira de rodas alcançar a sua entrada. O seu acesso fica na lateral, um pouco escondido aos olhares desatentos. Os seus quatro andares, hoje, são acessíveis por elevador e os largos salões permitem que a cadeira de rodas circule, mas o espaço entre as prateleiras ainda é um problema. São muito estreitos para a cadeira passar livremente.
Na biblioteca municipal, um cadeirante só consegue chegar até o primeiro andar. O acesso é para o acervo de livros e balcão de atendimento. Mas o setor de documentos históricos fica no segundo andar e é preciso subir dois lances de escada. Quem precisa dessa parte do acervo conta com a ajuda de quem trabalha lá, para levar até eles os documentos que podem ser transportados até o andar inferior. A estrutura vai passar por reformas, o governo municipal quer melhorar a acessibilidade, para que todos consigam desfrutá-la.
O acervo da biblioteca universitária tem limitações para quem convive com dificuldade visual. São mais de 400 mil obras, mas é um sonho distante tê-lo completo em áudio e em braile. Felizmente, esses estudantes não ficam sem assistência.
A Coordenadoria de Assuntos Estudantis (CAE) é quem se responsabiliza por deixar os livros e documentos acessíveis aos alunos. É um processo individualizado, os alunos são encaminhados para a CAE, que conversa com cada um para entender as suas necessidades e a forma que preferem os materiais. Quando precisam de algum conteúdo do acervo, transformam o material no formato que o aluno preferir. “Tem deficientes visuais que preferem o conteúdo em áudio pois não tem a sensibilidade na ponta dos dedos para ler. Outros preferem o braile”, explica Daniele.
O diminuto acervo da biblioteca municipal mudou-se para a Fundação Cultural, localizado alguns metros de distância, virando a esquina, no prédio que abrigava a antiga prefeitura da cidade. Agora é responsabilidade da Sociedade Cultural Amigo do Centro Braille de Blumenau (ACBB). Quando algum deficiente visual aparece à procura de materiais, é encaminhado para lá e recebe a assistência que precisa.
Uma biblioteca para todos é um ideal que parece tentar encontrar o seu lugar em meio a aparelhos eletrônicos e plataformas digitais. Descobrir como construir um novo relacionamento com os leitores é o desafio que tem pela frente. Sempre haverá quem goste de sentir as texturas dos livros e o seu formato deslizando entre os seus dedos, assim como haverá, cada vez mais, quem ache a praticidade do meio digital algo melhor.
A biblioteca é uma estrutura que anda de mãos dadas com o leitor e percorre um caminho de incertezas sobre as tecnologias e como absorvê-las sem perder a sua essência. Dizer que a relação do leitor com a biblioteca está fadada a um rompimento pode ser ignorar o impacto que tem na vida das pessoas. “Ler é um exercício de empatia”, afirma Janaína. “Os livros me transmitem uma sensação de paz que eu não consigo explicar”, compartilha Daiane. As duas leitoras são histórias escritas nos longos capítulos desse relacionamento entre biblioteca, livros e leitores. É uma saga que ainda não tem um capítulo final.