Enquanto o futebol domina o cenário esportivo, atletas de outras modalidades enfrentam desafios significativos, com baixos salários e falta de investimento, refletindo a disparidade no apoio a diferentes esportes no país
Gravação por Thiago Marques
Em um território conhecido como “país do futebol”, o esporte é uma paixão nacional. Mesmo em tempos de embates políticos e polarização da população, o apego pelos estádios, a emoção e o fascínio pelo sentimento contagia e une o povo brasileiro. Apesar de todo o embelezamento do esporte no país, a realidade não é confortável.
O trabalho esportivo com remuneração no Brasil acontece desde a década de 30, mas esse tipo de trabalho devidamente regularizado, com direitos e deveres incluídos em um contrato, só foi acontecer no ano de 1976. Atualmente, os atletas têm direito a contrato de trabalho, registro na carteira de trabalho, férias remuneradas e descanso semanal remunerado.
“Trabalhar com o esporte no Brasil é complicado, a não ser que você seja um jogador de futebol de série A ou de série B, ou jogue na liga nacional de Voleibol, o trabalho esportivo no Brasil é complicado quando não é de altíssimo nível. A parte financeira também é ruim, o valor que os atletas recebem para realizar o seu trabalho é bem baixo”, afirma Matheus Correa, atleta da Marcha Atlética que participou das Olimpíadas de Paris 2024.
“O Brasil tem dois esportes, o futebol e o outro que tá ganhando”
Caio Bonfim, ao ganhar a medalha de prata na Marcha Atlética nas Olimpíadas de Paris 2024
Comparando o salário de um jogador de futebol a de um atleta de atletismo no Brasil, o jogador de futebol ganha, em média, 9 mil reais, enquanto o atleta de atletismo recebe cerca de 2,1 mil reais, uma diferença de quase 7 mil reais. Maiko Spiess, doutor em Política Científica e Tecnológica, comentou que existem alguns fatores socioculturais que contribuem para essa diferença.
“O futebol é considerado o esporte nacional no Brasil e, obviamente, recebe mais recursos, maior visibilidade e mais atenção. Isso faz com que, por um lado, possa ser criticado por sua mercantilização, suas relações com grandes empresas capitalistas ou por ter mais incentivos governamentais. Por outro lado, a popularidade do futebol no Brasil é reconhecidamente orgânica, a questão dos times e das torcidas organizadas demonstra isso. Existem fatores socioculturais que contribuem para uma maior valorização do futebol, mas o mesmo ocorre com o rugby na Nova Zelândia ou o Críquete na Índia, acredito que o futebol não seja um caso especial”, completa.
O período das Olimpíadas destaca os esportes menos conhecidos, já que é um evento muito popular em todo o mundo. No Brasil, existe a Lei do Incentivo ao Esporte, que permite que parte do dinheiro da renúncia fiscal seja aplicado em projetos desportivos e paradesportivos, a fim de promover a prática do esporte entre os brasileiros. Mesmo com algumas legislaturas para a promoção do esporte e direito de atletas, o Brasil não consegue ser um dos países destaques nas Olimpíadas. Nos Jogos Olímpicos de Tokyo de 2020 o Brasil fez sua melhor campanha da história, com 21 medalhas no total, já nas Olimpíadas de Paris 2024, foram 20 medalhas conquistadas.

Matheus Correa afirma que a falta de investimento nas modalidades menores por parte do governo é um dos grandes defasadores do esporte no país: “o Brasil poderia ser uma das maiores potências do mundo no esporte, mas é tudo muito mal administrado. Tem muita gente boa aqui, mas infelizmente não conseguimos deslanchar. As pessoas aqui no Brasil acham que é tudo futebol e essa falta de investimento em outros esportes menores é que defasam a nossa cultura esportiva”, afirma.
Geralmente a jornada dos atletas começa nas categorias de base, que são importantes para desenvolver não apenas a técnica e a inteligência do desportista, mas também para formar seu caráter e fortalecer a sua mentalidade. No entanto, de acordo com Paulo Mundt, secretário de esportes de Blumenau, as categorias de base no Brasil não têm o investimento necessário.
“Nós precisamos fortalecer a iniciação esportiva no Brasil. Hoje nós temos uma pluralidade de modalidades esportivas que a formação de base não acompanhou. Se investiu muito nos atletas de alto rendimento e a formação dos atletas de base acabou caindo no esquecimento. Isso se deve muito porque falta infraestrutura e capacitação dos treinadores”, afirma.
Ao ser questionado sobre a falta de infraestrutura para os atletas na cidade de Blumenau, o secretário afirmou que a secretaria não possui a jurisdição necessária para realizar mudanças significativas nos complexos esportivos da cidade. Ainda de acordo com o secretário, a Secretaria de Esportes de Blumenau está trabalhando em um projeto para impulsionar a iniciação esportiva na cidade.
“O Brasil poderia ser uma das maiores potências do mundo no esporte, junto com a China e os Estados Unidos”
Matheus
Como funciona o contrato dos atletas
Os direitos dos atletas no Brasil são protegidos pela Constituição Federal, o que garante a esses trabalhadores um salário justo, proteção contra discriminações e oportunidades iguais. Uma das principais leis que rege o trabalho esportivo no país é a Lei Pelé, outorgada no ano de 1998. Essa legislação substituiu a antiga Lei Zico, com o objetivo de garantir mais direitos ao atleta e, principalmente, desenvolver o esporte e colocar os atletas do país no mais alto patamar.
Essa lei institui que o contrato do atleta deve ser um acordo escrito entre o próprio desportista e o clube que ele vai representar, estabelecendo os termos e condições de trabalho, o salário, a duração do acordo e os deveres, tanto do atleta, quanto do clube. O trabalhador tem direito ao décimo terceiro salário e, caso queira, pode romper seu contrato pagando a multa rescisória, que é estabelecida durante a realização desse acordo.
Antes da Lei Pelé, os contratos dos jogadores eram geridos apenas pelo clube, chamados de “passe”. O passe funcionava da seguinte forma, quando o atleta encerrava sua passagem em um clube, ele continuava ligado a instituição, apesar do desligamento contratual. O desportista era impedido de realizar seu trabalho e o único jeito dele conseguir voltar a realizá-lo era se algum clube pagasse a quantia do “passe” do trabalhador, dificultando sua carreira e, consequentemente, sua vida. Felizmente, com a criação da Lei Pelé, esse problema foi extinto, mas trouxe problemas aos clubes pequenos.
“A Lei Pelé favoreceu muito os atletas e os grandes clubes, mas não favoreceu muito os clubes pequenos. Antigamente os clubes menores formavam um atleta de qualidade desde a base, porque sabiam que esse atleta ficaria no clube e eles ganhariam dinheiro com uma eventual saída dele. Hoje em dia o atleta só assina um contrato profissional a partir dos 16 anos, então ele pode fazer a base inteira em um clube menor e quando completa 16 anos ele sai de graça para um clube maior”, comenta Rodrigo.
Bolsa-Atleta
O maior benefício disponibilizado para os atletas no Brasil é o bolsa-atleta. A bolsa, criada em 2005, é um dos maiores programas de patrocínio individual de atletas do mundo inteiro, beneficiando desportistas de alto desempenho que conseguem bons resultados em competições e oferece as condições mínimas para a prática do trabalho esportivo no Brasil. O programa engloba as competições locais, sul-americanas, pan-americanas, mundiais, olímpicas e paralímpicas.
O atleta que deseja crescer e chegar no mais alto nível do esporte precisa se manter focado única e exclusivamente nisso, mas essa realidade não se aplica no Brasil. Muitas vezes o desportista precisa achar outro jeito de fazer sua renda, já que o retorno financeiro do esporte muitas vezes não é o suficiente.
“Não podemos ter uma vida comum, é preciso se alimentar direito, ter um bom sono, focar nos treinos, viver uma vida regrada e isso é só o mínimo que ele precisa fazer quiser chegar no topo. A maioria das pessoas trabalham porque são obrigadas, o atleta não, ele quer estar ali, quer competir, tem um sonho, mas acaba sendo muito injusto pela renda que ele recebe, que na maioria das vezes é muito baixa”, comenta Matheus Correa
O Bolsa-atleta foi criado há 19 anos, em 2005, onde a realidade era muito diferente da que vivemos hoje. O valor inicial da bolsa, para um atleta nacional, era de R$925, que na época era o equivalente a mais de três salários-mínimos. O último e único ajuste que a bolsa recebeu aconteceu no dia 12 de julho desse ano, onde os valores aumentaram em 10,8%, ou seja, o atleta nacional passou a ganhar R$1025. Esse valor atualmente não chega ao salário mínimo do país, como era quando foi criado. Em 2024, o salário mínimo do Brasil é de R$1412.

“Não acho justo o valor do bolsa-atleta, esse projeto vem de um outro tempo onde a realidade financeira dos brasileiros era completamente diferente. Mesmo com o aumento de 10,8% no valor da bolsa, os atletas ainda não ganham o que precisam para se dedicar exclusivamente ao esporte, o que leva muitos deles a ter que procurar outros empregos para conseguir se manter, assim prejudicando o seu desempenho no esporte”, afirma Matheus Correa.
Nas Olimpíadas de Paris de 2024, 241 dos 276 atletas que estavam presentes na edição possuíam o benefício do bolsa-atleta, um percentual de 87,3%, esse número aumenta quando olhamos para a quantidade de desportistas que são ou já foram contemplados pela bolsa, ficando em 98%. O valor das bolsas varia entre categorias que existem nela, como atleta nacional, atleta base e o atleta estudantil.
“O valor do bolsa-atleta não é justo”
Matheus

Em um país onde o futebol reina absoluto nas manchetes e na audiência, os esportes menores lutam para ter uma maior visibilidade e renda para chegarem ao topo. No “país do futebol”, a precarização das infraestruturas e as dificuldades financeiras enfrentadas por muitos desses profissionais são questões que não podem ser ignoradas. Para que todos os esportes prosperem e atinjam seu potencial, é fundamental promover um ambiente mais inclusivo e sustentável que valorize todas as modalidades.
Por: Thiago Aládio