Paraenses alteram cotidiano de Blumenau

Entre trabalho, cultura e futebol, migrantes transformam saudade em pertencimento e ajudam a moldar a identidade da cidade

Luís Bremm

Os dados do Censo Demográfico de 2022 revelam que Blumenau se tornou uma opção muito atraente para populações de outros estados do Brasil. Dentre elas, os paraenses aparecem em destaque. Nos cinco anos que antecederam o levantamento realizado pelo IBGE, 4.810 pessoas se mudaram para Blumenau. Atualmente, a cidade contabiliza 9 mil moradores originários do Pará.

Dentre esses moradores está Lucio Matilde Santos, 52 anos. Ele sempre trabalhou como operador de máquinas em construções civis de Belém, capital do Pará. Ele nunca havia saído do estado, mas se arriscou a viver com a esposa em Santa Catarina, especialmente em Blumenau. A motivação veio de boas notícias sobre segurança e qualidade de vida que lia na internet.

Ao chegar em terras catarinenses, houve desafios de adaptação. “Primeiro foi o frio, né? Mas algumas pessoas nos criticaram, pois tem gente que vem para cá sacanear com os outros, mas viemos trabalhar de verdade, assim como outros pais de família que vêm aventurar sua vida aqui”, conta.

Após três anos morando em Blumenau, a saudade do Pará seguia forte, principalmente porque na cidade não havia estabelecimentos que tratassem da cultura paraense. Foi então que transformou esse sentimento em oportunidade. “Não tinha nossa cultura na região, aí nós inventamos de vender alguns quitutes na kitnet que a gente alugava. Começaram a sair muitos pedidos, até que ‘explodiu’ e decidimos procurar um ponto próprio, e estamos aqui até hoje”, revela sobre a criação do Cantinho do Pará, um bar que mais tarde virou restaurante.

“Surgiu a ideia porque não tinha nada do Pará aqui, só em Navegantes que vendia alguns produtos típicos. Então começamos a importar alguns desses produtos, primeiro como um bar, e depois decidimos começar a vender comida também”, detalha.

O espaço logo se tornou uma atração, principalmente entre a comunidade do bairro Fortaleza. Pessoas buscavam o estabelecimento para conhecer os sabores paraenses, oferecendo no local uma experiência gastronômica. A maniçoba e o vatapá são os pratos mais pedidos, tanto de blumenauenses, como de outros paraenses que se mudaram para a região. A maniçoba é preparada com folha de mandioca cozida de cinco a sete dias, pois contém toxinas naturais na planta, e é acompanhada por arroz, farinha de mandioca, pimenta e carne de porco. O vatapá é um creme espesso feito com pão, leite de coco, amendoim e temperos regionais, preparado com camarão ou peixe, servido junto com arroz branco.

Lúcio acredita que fez a escolha certa de se mudar para o Vale do Itajaí. “Hoje eu gosto de trabalhar com o público, ter o meu ponto, a minha casa, sou muito grato a Blumenau. É uma cidade boa, não se vê lixo na rua. Primeira coisa que eu vi aqui foi botijão fora de casa, achei graça, pois no Pará não se pode deixar do lado de fora, já que é roubado, mas aqui, a lei existe”, afirma.

Para outros migrantes do Pará ou de regiões próximas, o bar serviu como um refúgio, onde é possível se reconectar com suas origens. É o caso da enfermeira Denise Cardoso, 37 anos, natural de Colares, no interior do estado. Lá, trabalhava como autônoma e vendia “piroski”, um salgado assado comum na região, feito com massa e recheado com carne, e batata frita.

Sete anos atrás, após sair de uma empresa em Belém, onde trabalhou por dois anos, recebeu a ligação de um irmão convidando-a para morar em Blumenau, dizendo que havia oportunidades na região.

A paraense sempre frequentou o Cantinho do Pará e é uma cliente recorrente. “Esse aqui é o lugar que representa meu estado, as comidas típicas são maravilhosas. Encontro outras pessoas do Pará com quem faço amizades, me sinto parte de uma comunidade”, diz.

Em Blumenau, Denise começou a trabalhar em um mercado, onde ficou apenas dois meses. Em seguida, trabalhou no departamento de limpeza para uma empresa de serviços. “Com esse emprego consegui comprar meu carro, dar entrada na minha casa, que eu já terminei de pagar, inclusive. E agora eu posso falar que não moro mais de aluguel em Blumenau, eu moro no que é meu! Uma conquista que consegui”, relata.

Apesar de saber lidar com críticas, Denise gostaria que as pessoas fossem mais abertas a quem vem de fora. “Eu quero muito que o povo daqui seja acolhedor, como nós paraenses somos, sem julgamentos e preconceitos, porque somos um povo trabalhador”, afirma.

Batida de diversos tipos de amendoins com chocolate / Vídeo: Luís Bremm

Metropolitano celebra Pará com uniforme comemorativo

O Clube Atlético Metropolitano, conhecido como Metrô, percebeu a grande migração de nortistas para Blumenau. Além de restaurantes e bares típicos, muitas pessoas circulam pela cidade com camisas de times de futebol da região norte do país. Foi então que o clube tomou uma iniciativa inesperada, criando uma camisa comemorativa com a bandeira do Pará estampada no uniforme da equipe.

Lucas Zanotto, presidente do Metrô, lembra que a camisa foi lançada antes do próprio Censo de 2022. “Tivemos um retorno excelente. A comunidade paraense não apenas se sentiu acolhida, como também passou a consumir e conhecer o clube. Os dois lotes de camisas em homenagem ao Pará, com cerca de 200 peças, foram vendidos em menos de dois meses”, revela.

Para o clube, assim como os alemães que chegaram na cidade há mais de um século, a comunidade paraense vem para Blumenau buscando uma vida melhor. “Não é porque um povo não fundou a cidade que ele não faz parte dela. Blumenau é um centro urbano, onde não pode haver um milímetro sequer de espaço à xenofobia”, afirma Lucas.

O presidente também diz que o esporte de modo geral pode ajudar na integração de migrantes e imigrantes na comunidade blumenauense, se tornando algo social que reaproxima as pessoas do lugar de onde vieram e ainda ameniza a saudade. “Da mesma forma com que os paraenses são apaixonados por futebol e são potenciais torcedores do clube, os venezuelanos que aqui estão são apaixonados por beisebol e têm no esporte tradicional do país uma forma de escape”, diz.

O Metrô pretende continuar a campanha “Somos todos (i)migrantes” e homenagear outras comunidades de povos e regiões que fazem parte da história de Blumenau. Para o clube, camisas não podem ser apenas pedaços de pano costurados, mas precisam contar uma história e representar algo à sociedade.

Foto: Paulo Guilherme Caetano/Divulgação

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