A epidemia silenciosa do burnout entre jornalistas

As causas mais comuns da condição incluem a pressão, longas horas na jornada e falta de recursos.

Em um mundo alimentado por notícias 24 horas por dia, os jornalistas são pilares fundamentais para moldar a compreensão do mundo. Entretanto, por trás dos fatos,  manchetes e leads, uma epidemia silenciosa se espalha pelas redações de todo o planeta: o burnout.

O esgotamento tem se tornado cada vez mais prevalente entre os jornalistas que enfrentam demandas rigorosas por produzir notícias em tempo real, mantendo o equilíbrio entre a objetividade e a pressão por cliques. Este compromisso frequentemente expõe o profissional a situações emocionalmente desafiadoras e, por muitas vezes, profundamente traumáticas.

Para a doutora em psicologia social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e professora na Universidade Regional de Blumenau (FURB), Catarina Gewehr, o distúrbio emocional tira a capacidade de colocar a vida em patamares, através de pensamentos novos, potentes e diferenciados.

“A gente vive em um mundo capitalista onde a lógica é tirar o máximo de proveito e o mínimo de prejuízo. O máximo por parte do trabalhador e o mínimo por quem contrata. Muitos funcionários estão a um nível de exigência não realístico. É preciso equacionar e compatibilizar com os recursos das tarefas”

Catarina Gewehr

Como os profissionais da comunicação são afetados

Um estudo de 2015 do Dart Center of Journalism and Trauma, projeto da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, descobriu que entre 4% e 59% dos jornalistas têm transtornos decorrentes de ocorrências relacionadas ao ambiente de trabalho. “A condição é produzida por uma reação muito potente de estresse em função do cenário corporativo. Sempre que falamos disso, falamos em desqualificação do empregado”, completa Gewehr.

De acordo com um levantamento realizado pela International Stress Management Association (Isma), o Brasil ocupa a segunda posição no ranking dos países com maior incidência deste tipo de esgotamento, com cerca de 30%, superando os Estados Unidos e a Alemanha. O Japão lidera a lista de diagnósticos, com aproximadamente 70% da população afetada. 

Igor Fidalgo atuou como jornalista em coluna de moda de importantes portais na atualidade. Crédito de imagem: arquivo pessoal/Igor Fidalgo

Como exemplo deste caso, Igor Fidalgo é jornalista formado pelo Centro Universitário da Cidade do Rio de Janeiro (UniverCidade) e atualmente mora em Lisboa, capital de Portugal. Há pelo menos dez anos, ainda no Brasil, foi repórter, colunista e diagramador de um dos principais sites do país, o jornal O Globo. “Quando eu olho para minha história eu tenho esses momentos que eu dou uma pirada. É muito trabalho. O primeiro grande estresse que eu tive foi quando o jornal fechava dez e quinze, um minuto antes falavam que havia erro de crase”, diz. 

Diagnosticado com burnout há quase 20 anos – e sem se considerar curado -, o brasileiro buscou nos trabalhos freelancers a captação de recursos financeiros para completar a lacuna deixada pelo trabalho principal. A baixa remuneração e os altos custos de vida fizeram com que Fidalgo deixasse as redações para investir na própria empresa de marketing, tendo como cliente um dos principais shoppings centers da cidade do Rio de Janeiro.

Baixos salários: um gatilho preocupante

Em uma era onde o mercado de trabalho é caracterizado pelo ritmo acelerado e demandas cada vez maiores, os trabalhadores de todo o mundo enfrentam uma crise de esgotamento profissional, muitas vezes provocada por compensações financeiras insuficientes. A falta de compensação financeira adequada pode criar uma série de fatores desencadeantes, incluindo longas jornadas de trabalho.

“O que motivou a minha mudança para Portugal foi o fim do contrato com o shopping. Aqui, com novos clientes, eu não podia dizer ‘não’, mas percebi que não necessariamente ganhava mais com isso. Trabalhava o dia inteiro, já acordava com muitas mensagens no celular. Por conta da diferença de fusos, eu acordava no expediente português e dormia no horário brasileiro”

Igor Fidalgo

Além das implicações individuais, a síndrome relacionada a salários baixos tem implicações sociais e econômicas significativas. A produtividade pode diminuir e os cuidados de saúde podem se tornar mais caros. Os sistemas de saúde se sobrecarregam com tratamentos depressivos, ansiosos ou outras condições decorrentes desta condição.

A jornada escura da depressão

Em situações mais graves, quando não identificado ou tratado da maneira correta, o burnout pode se elevar ao quadro de depressão profunda. A partir deste ponto, as mudanças vão além do psicológico e passam a afetar condições físicas, como desconforto abdominal, fadiga, enxaqueca e insônia. 

De acordo com a psicóloga e professora Catarina Gewehr, “no processo depressivo, você começa a tentar resguardar energia para continuar no ponto de ação. Um corpo com menos possibilidades de respostas rápidas e criativas, vai dando uma configuração social de maior comprometimento”

Mesmo considerada como tal, a síndrome de esgotamento profissional não é uma doença. Entretanto, a exaustão física e mental foi incorporada na lista das doenças ocupacionais reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em primeiro de janeiro de 2022. A última edição do código internacional incorporou o burnout ao grupo classificatório Z73 – problemas relacionados com a organização do modo de vida.

Uma pesquisa da Reuters Institute e Universidade de Toronto, demonstrou que cerca de 70% dos jornalistas entrevistados tiveram algum sofrimento psicológico em algum período da vida.

Os dados alertam sobre a ansiedade e uma das suas consequências mais graves: a depressão. “É como uma sala escura, sem janela e a porta de entrada é quase lacrada. É difícil abrir, e para isso acontecer, é necessário romper com alguns controles do trabalho, deixando de ir trabalhar por alguns meses. Às vezes nem a licença médica resolve, há perda da chave que abre essa porta, e quando a encontra, já não sabe mais onde está o buraco da porta”, enfatiza Catarina.

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