Arte para todos: como o Coletivo Colmeia democratiza a cultura
Desde 2019, o Coletivo promove arte e cultura acessíveis, conectando pessoas de forma inclusiva e transformadora
Se sentir pertencente. Não estar sozinho. Sentimentos que o Coletivo Colmeia busca transmitir em seus encontros. Com o objetivo de democratizar o acesso à cultura, o coletivo de artistas propõe “polinizações”, eventos que levam aos bairros de Blumenau as mais diferentes manifestações artísticas. Anualmente, todos os artistas do coletivo se reúnem e trazem suas produções para o Teatro Carlos Gomes, no chamado grande evento do Coletivo Colmeia.
O grande evento abre as portas do teatro Carlos Gomes, um espaço historicamente elitizado, para todas as pessoas que desejam experienciar a arte. Diferentes formas de cultura compõem o encontro, desde o hip-hop até a literatura estão presentes neste espaço. Ter diferentes expressões culturais, reforça a ideia de que a arte é de todos e para todos.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o Brasil tem 18,6 milhões de pessoas com deficiência, o que representa 8,9% da população. Em 2022, a taxa de analfabetismo entre pessoas com deficiência foi de 19,5%, enquanto entre as pessoas sem deficiência foi de 4,1%. Esse número é alarmante e mostra que as pessoas com deficiência ainda não têm acesso à educação básica.
Se essa é a realidade da educação, algo obrigatório por lei, como é o acesso dessas pessoas à cultura? Os artistas produzem conteúdos de forma acessível? As pessoas com deficiência se sentem pertencentes a esses espaços?
“Se o artista não pensa na acessibilidade da obra dele, a pessoa com deficiência não vai sentir nada com a obra, não vai ser tocada por ela, não vai ser maravilhada, então a gente precisa encontrar caminhos além do básico” .
Tita, coordenadora do grupo de trabalho de acessibilidade do Coletivo Colmeia
Nesse sentido, desde 2019, o Coletivo Colmeia propõe o Grupo de Trabalho (GT) de Acessibilidade, que busca a inclusão das pessoas com deficiência no evento e provoca os artistas a pensarem suas obras com acessibilidade.
“A gente tem um processo de educação mesmo, que vai além de apenas prover os tipos de acessibilidade. Tem momentos nas reuniões do grande grupo que a gente faz esse trabalho de explicar mesmo ‘o que é capacitismo?’ ou ‘por que a gente fala pessoa com deficiência ao invés de deficiente?’, para fazer esse processo de educação com os artistas”, explica Tita, coordenadora do grupo de trabalho de acessibilidade do Coletivo Colmeia.
Tita explica ainda que esse trabalho de educar os artistas é necessário, pois a acessibilidade ainda não é algo que está presente no cotidiano das pessoas: “a gente não convive com pessoas com deficiência, historicamente elas foram excluídas da sociedade, então, quando a gente começa a conviver, a cultura acessível a todos se torna muito óbvia”, pontua.
Promover o acesso à cultura é trabalhar a inclusão e o sentimento de pertencimento. Este acesso passa pelas questões do produto final também compreender as vivências das pessoas com deficiência e combater o preconceito social em torno dessa população.
“A discriminação de uma vida inteira cria cicatrizes, a pessoa não está disposta a se expor por poucas coisas, mesmo sabendo que tem acessibilidade as pessoas não se locomovem para esses espaços, então, estamos planejando ir até eles, pedir licença para entrar nos espaços que as pessoas convivem e mostrar a cultura, criar esse gostinho de quero mais”.
Tita, coordenadora do grupo de trabalho de acessibilidade do Coletivo Colmeia
Cultura para todos: acessibilidade sem exceções
A arte tem o poder de conectar culturas, expressar emoções e promover reflexões. No entanto, ainda é um desafio garantir que essas experiências sejam acessíveis a todas as pessoas, especialmente para aquelas com deficiência. Ferramentas como audiodescrição, legendas, intérpretes de Libras e acessibilidade física em exposições e eventos culturais são fundamentais para garantir que o acesso à arte seja democrático.
O Coletivo Colmeia tem sido um exemplo na promoção da acessibilidade, não apenas dentro dos seus eventos, mas também investindo na capacitação de artistas e voluntários para compreenderem a importância dessa inclusão. “É um trabalho contínuo de sensibilização,” afirma José Inácio Sperber, um dos coordenadores do Colmeia. “Durante as reuniões, discutimos a necessidade de tornar as obras acessíveis e incentivamos os artistas a refletirem sobre como suas criações podem ser experienciadas por pessoas com deficiência. Não é um processo fácil”, detalha.
O trabalho de produção de uma obra de arte acessível vai muito além de adaptá-la depois de pronta. A acessibilidade precisa estar presente desde o início do processo da obra, como explica Tita: “No primeiro momento, pensamos em como trazer a acessibilidade para as obras já prontas. Porém, a acessibilidade cultural não é criada dessa forma. É preciso que essa acessibilidade seja pensada desde o processo da concepção da obra, para ser realmente uma obra acessível”. Dessa forma, o trabalho realizado pelo GT de Acessibilidade começa pela conscientização dos próprios artistas. “É um trabalho de formiguinha. A cada reunião do Grande Grupo a gente fala sobre acessibilidade, os tipos de acessibilidade, como os artistas podem prover a acessibilidade e nos colocamos à disposição para ajudar”, comenta a coordenadora.
“O desafio é grande, mas a recompensa é ainda maior. Estamos construindo um espaço onde todos, independentemente de suas limitações, possam se sentir incluídos e valorizados”.
José Inácio Sperber, coordenador do Colmeia
Carlos Nascimento, advogado, trouxe sua vivência como pessoa com deficiência ao evento. Ele destaca como a falta de acessibilidade afeta diretamente a experiência cultural: “Há alguns anos eu tenho dificuldade de locomoção. Ando com o auxílio de uma muleta, e aqui em Blumenau são poucos os locais que realmente têm acessibilidade. Isso é algo que, quando a gente começa a sentir na pele, percebe o quanto realmente faz falta”, reflete.
No entanto, Nascimento reconhece que a cidade ainda apresenta muitos desafios de acessibilidade em outros espaços culturais: “Claro que ainda falta muita coisa em geral. Dependendo do local, enfrentamos dificuldades. Mas, diante do cenário geral da cidade, o Teatro Carlos Gomes se destaca por oferecer as condições necessárias para quem precisa de acessibilidade”, conclui.
Sperber reforça a visão do Coletivo Colmeia de que a arte precisa ser acessível a todos, sem exceções. “É crucial pensar no acesso das pessoas com deficiência à arte, mas também é essencial reconhecer o artista com deficiência como protagonista desse processo. Desde 2019, quando implementamos a Rota de Artes Acessíveis como um projeto piloto, observamos um impacto positivo significativo. Esse movimento não só aumenta a participação do público com deficiência, como também fortalece a inclusão de artistas com deficiência em nosso evento’, explica.
Esse compromisso do Colmeia reflete sua missão de transformar a arte em uma experiência verdadeiramente aberta a todos, independentemente de suas limitações, tornando a acessibilidade uma prioridade fundamental no universo cultural.
Inclusão cultural na prática
A Rota de Arte Acessível do Colmeia é a inclusão aplicada na prática que oferece diversas atrações que contam com o suporte de tecnologias assistivas, havendo apresentações e exposições com interpretação em Libras e audiodescrição, poemas adaptados para braile e experiências imersivas com tour tátil.
Assista ao poema “Somos Invisíveis” de Catharine Moreira, apresentado em Libras durante a 9ª edição do grande evento Colmeia.
A Rota existe desde o ano de 2019 e em sua primeira edição contou com dez atrações adaptadas. Uma delas, intitulada “À luz do seu olhar”, consistia em uma exposição de obras criadas por associados da Associação dos Cegos do Vale do Itajaí (ACEVALI), com o objetivo de propor uma reflexão para que quem acessa a arte ressignifique o papel da imagem sob o olhar de uma pessoa com baixa visão ou com cegueira total.
Em 2024, a quarta edição da rota proporcionou aos seus visitantes 14 diferentes atrações, entre peças de teatro, contação de histórias, exposições de artes visuais e fotografia, espetáculos de palhaçaria e poemas. A programação englobou os dois dias do grande evento. É um crescimento pequeno em número, mas um avanço quando levadas em consideração as condições para a criação de uma obra acessível.
O caminho para um futuro ainda mais acessível
A acessibilidade deixou de ser um diferencial para se tornar uma iniciativa essencial. Nos próximos anos, o Coletivo Colmeia deseja ampliar ainda mais o impacto do evento na comunidade de pessoas com deficiência, buscando aumentar tanto sua participação quanto a sua expressão artística.
Esse desafio é evidenciado pelas limitações reconhecidas pela organização na edição deste ano, especialmente pelo curto prazo para preparar os voluntários. Sperber explica que não houve tempo hábil para uma formação especializada dos voluntários que atuaram no grupo de trabalho de acessibilidade, servindo como aprendizado e adaptação para o próximo ano.
“Contamos com intérpretes de libras e profissionais de audiodescrição. Todos esses profissionais são voluntários e trabalham incansavelmente para garantir que o máximo de obras e apresentações sejam acessíveis. A audiodescrição, por exemplo, exige um profundo conhecimento da obra, seja ela uma peça de teatro, uma dança ou uma apresentação de capoeira”.
José Inácio Sperber, coordenador do Colmeia
A sensibilização dos artistas em relação à acessibilidade é considerada fundamental, e o coletivo pretende dedicar mais esforços nas próximas edições para promover uma adesão dos artistas em tornar suas obras acessíveis. No entanto, o grande desafio é atender à demanda de acessibilidade de forma que a experiência de cada pessoa com deficiência seja a melhor possível. No cenário atual, mesmo que todos os artistas escolhessem tornar suas obras acessíveis, a demanda talvez não fosse completamente atendida a tempo. Deste modo, além de aumentar o número de obras acessíveis e a participação de pessoas com deficiência nas próximas edições, o Coletivo também almeja ampliar o time de voluntários, garantindo que sejam capacitados e tenham a experiência necessária para apoiar de forma eficaz a inclusão, assegurando que a representatividade continue a evoluir no evento.
O Coletivo Colmeia segue adiante, continuando a ser um exemplo de inclusão e acessibilidade no cenário cultural local, mostrando que, com dedicação e esforço coletivo, é possível tornar a arte verdadeiramente acessível para todos. Cada obra adaptada e cada sorriso de quem finalmente se vê representado reforça o verdadeiro impacto dessa jornada de inclusão. A arte, quando acessível, se torna uma poderosa ferramenta de conexão e igualdade. As “abelhas”, como assim chamavam os pertencentes do Coletivo Colmeia, expressam a vontade de evidenciar que a cultura pertence a todos, independentemente de suas limitações físicas ou sensoriais.
Por: Maria Tereza Dias Tassinari, Maria Eduarda Günther, Emilly Coelho, Natalia Bollmann, Amabile de Oliveira Fernandes e Palôma Cunradi.