Há 11 anos o evento de arte contribui para a história e a vida comunitária na cidade mais germânica de Santa Catarina 

O município de Blumenau é conhecido internacionalmente por sediar a segunda maior festa de cultura alemã do mundo, a Oktoberfest, regada de muito chope, dança típica e comida tradicional germânica. Segundo dados do IBGE, a cidade conta com mais de 360 mil habitantes, tendo moradores com as mais diversas culturas, nem sempre representadas pelos poderes público e privado; ou seja, há uma prevalência da cultura alemã.  

Segundo a jornalista Bárbara Giacomet de Aguia, no artigo “Cultura e identidade: aspectos da imigração alemã em Blumenau – SC”, o processo migratório e a história da cidade influenciam os moradores até os dias atuais, além do imigrante alemão ser considerado como um desbravador e herói por muitos. “O passado deixa marcas nas novas gerações e talvez seja através desses repertórios de referências que os blumenauenses tentam definir, de certa forma, suas identidades culturais atualmente”, ressalta a jornalista 

Um dos eventos que ocorre na cidade é o Festival Nacional de Teatro para Crianças e Jovens de Blumenau, FENATIB. Nesta edição, ele contou com o tema de 200 anos da imigração alemã no Brasil, porém sua programação trouxe uma maior diversidade de peças teatrais, apresentando para o público as diversidades culturais existentes. O evento é um exemplo de mesclagem entre a cultura tradicional blumenauense e outras culturas.  

Apesar da falta de investimento, existem demonstrações artísticas que retratam essas culturas pouco divulgadas. Um exemplo é o Coletivo Laboral Multicultural de Experimentações e Intervenções Artísticas, Colmeia, que tem como objetivo democratizar o acesso à arte e cultura, explorando diferentes áreas.  

O Coletivo Colmeia, fundado em 2012, tem se destacado como um importante força cultural em Blumenau, reunindo artistas de diversas áreas para promover a apreciação e vivência da arte na comunidade. Com o objetivo de fortalecer o movimento artístico local, o coletivo organiza encontros que ampliam as conexões entre artistas, público, prestadores de serviços, produtores e instituições culturais, incentivando a autonomia e a participação no setor. 

Ruan Rosa, coordenador da Divisão de Cultura (DIC) da FURB e visitante ativo do evento destaca a importância do Coletivo para a cultura local. “O Colmeia tem uma contribuição fundamental para o setor artístico de Blumenau, tanto do ponto de vista histórico, nunca teve nenhuma iniciativa dessa proporção na cidade. Acho que ele é o principal momento em que tantos artistas emergentes encontram um espaço de legitimação, de validação e de estar entre os seus pares”, explica Ruan. 

Coletivo Colmeia: A força da cultura e da comunidade em Blumenau 

Em Blumenau, o acesso à arte enfrenta obstáculos, especialmente para os jovens que buscam conhecer e explorar a cultura artística. A cidade, marcada pela dificuldade de recursos financeiros e pela limitação de espaços adequados, vê muitos cidadãos privados da oportunidade de apreciar e participar de eventos culturais. A alta dos preços de ingressos, aliada à falta de atividades gratuitas, transforma a cultura em um verdadeiro desafio para aqueles que esperam por uma conexão mais profunda com as expressões artísticas.  

Suyane Cristine, relata que a dificuldade que enfrenta para participar de eventos culturais ou atividades artísticas é a falta de investimento. “Essa é uma das maiores dificuldades, porque aqui todo mundo é voluntário. O Colmeia é um evento gratuito, tanto que o cortejo iria e não iria acontecer, tivemos que esperar eles darem o voto”, informa a jovem. O cortejo é a abertura do evento composta pelo público e artistas, aonde vinham pela Rua XV de Novembro até o teatro Carlos Gomes, a fim de convidar o público para o evento. 

Mesmo com os desafios enfrentados em todos os anos pelos organizadores e voluntários do evento, o Colmeia se consolida cada vez mais em Blumenau. Outro desafio é a falta de apoio da Prefeitura, mas a iniciativa encontrou uma alternativa para se manter: o chapelão, uma arrecadação de fundos que mobiliza a população local. Essa ação demonstra não apenas a determinação dos organizadores e voluntários, mas também a relevância do evento para os cidadãos blumenauenses. Além disso, a ajuda da população é um retrato da importância da ação para a cidade, mostrando que o evento tem impactado a vida dos cidadãos e dissipado várias maneiras de artes. 

O Colmeia se tornou um ponto de encontro para artistas e visitantes de diversas cidades vizinhas, permitindo que talentos regionais se expressem e interajam em um ambiente que produz a diversidade artística. A participação ativa da comunidade é um indicativo do impacto que o evento exerce, promovendo uma troca cultural que ultrapassa as fronteiras da cidade. 

Bruna Fernanda Klein, uma das organizadoras do Coletivo, expressa a importância dessa iniciativa: “O Coletivo Colmeia traz eventos culturais que a cidade não oferece. Nosso objetivo é disponibilizar, de forma gratuita, acesso a atividades que, muitas vezes, são caras ou exclusivas de determinados públicos, como teatro e dança,” pontua.  

Desde que foi criado, o Colmeia proporciona a entrada gratuita, disponibilizando a arte de maneira acessível a todos, sem distinção de classe social ou faixa etária, auxiliando também em atividades voltadas para os jovens.  

Os organizadores têm como objetivo não apenas evitar que o evento se torne mais uma iniciativa cultural privativa, mas também estimular a participação da comunidade, promovendo polinização. Como observa Cris Laleska Machado, ao passar dos anos, o Coletivo começou a realizar mais polinizações entre diferentes áreas. Ela ressalta que a participação de todos é fundamental para a comunicação e a divulgação, já que o público é muito diverso. “Os artistas são, assim como o coletivo. Enfermeiros, contadores, costureiros, pedreiros… somos todos artistas operários”, afirma. Nesse sentido, muitos esperam que iniciativas semelhantes promovam oficinas, cursos e eventos interativos que estimulem a criatividade e o aprendizado em diversas linguagens artísticas, incluindo teatro, música, dança e artes visuais.

Ao participar do Coletivo Colmeia, tanto visitantes quanto artistas têm a oportunidade de levar novas experiências. A expectativa é que os participantes saiam com um novo olhar pela arte e uma consciência mais profunda sobre a importância da cultura na sociedade. O evento é um lugar para a diversidade criativa, onde talentos podem se apresentar e ser reconhecidos, além de proporcionar um espaço de acolhimento e troca.  

Alex Scheidt, visitante do evento, observa que a importância para a cidade reside na acessibilidade, que aproxima diversos grupos sociais e faixas etárias. “O Colmeia é um evento que se assemelha ao FITUB, e é uma das únicas oportunidades que o público tem de aproveitar a estrutura do teatro e ter acesso a esse ambiente que realmente contribui bastante para a produção cultural, para promover o entretenimento da população e tornar ele acessível para todas as classes e todas as idades, é um evento que não faz distinção quem é que está participando e não tem outros que se assemelham muito aqui na região” opina. 

Dessa forma, o evento traz uma proposta de inclusão e pluralidade, o Coletivo Colmeia se consolidou como uma referência cultural em Blumenau, promovendo não apenas arte, mas uma verdadeira transformação social através da expressão artística. 

Importância da cultura e do Coletivo na infância  

A cultura desempenha um papel fundamental no desenvolvimento das crianças e adolescentes, influenciando sua identidade, valores e habilidades sociais. Expor as crianças a diferentes elementos culturais desde cedo, como música, arte e línguas, traz novas experiências de vida e promove uma série de benefícios.  

“A cultura vai interferir diretamente no desenvolvimento de uma criança. A partir da cultura ela vai desenvolver a sua percepção de mundo. As crianças vão adquirir conhecimento, hábitos culturais, crenças, costumes, valores, aprimoram a socialização, a comunicação, o desenvolvimento de habilidades sociais, a responsabilidade, a empatia, a criatividade, a imaginação”, explica a psicóloga Lis Karlyne Steinhorst Lauschne.  

Demonstrações culturais ajudam as crianças a entenderem quem são e de onde vêm, contribuindo para uma sensação de pertencimento e segurança. Além disso, o contato com diferentes formas de arte e expressão cultural estimula a criatividade, a imaginação e o pensamento crítico, habilidades que são fundamentais para o aprendizado. A diversidade cultural também ensina as crianças a valorizar o diferente e a desenvolver empatia, o que é crucial para a convivência em sociedade. 

As atividades culturais em grupo, como danças, festivais ou jogos tradicionais, promovem o trabalho em equipe e a comunicação, habilidades sociais essenciais. A cultura, por sua vez, serve como um veículo para a transmissão de valores e normas sociais, fundamentais para a formação do caráter e da moral. “A partir de eventos culturais a criança vai poder expor suas próprias ideias, seus desejos. A criança vai poder colocar ali a sua identidade, o seu jeito de ser e de compreender, aprendendo a respeitar o jeito de ser e de pensar do outro. E assim vai construindo sua identidade, seu jeito singular de ser no meio a essa diversidade”, reforça a psicóloga. 

Promover a cultura desde a infância é essencial para formar cidadãos mais conscientes, respeitosos e criativos, preparados para viver em uma sociedade plural e dinâmica. Nesse sentido, o Coletivo Colmeia, ao criar o Grupo de Trabalho Educação, no ano de 2022, buscou ampliar as oportunidades para que as crianças participem ativamente de ações culturais, contribuindo para o desenvolvimento dessas habilidades essenciais. Esse grupo surgiu a partir da fusão de outros dois GT’s já existentes: O GT Oficinas e o GT infância.  

Náthali Tomacheski Maltauro, esteve presente no Coletivo Colmeia 2024, acompanhada da filha Maria Eduarda, de dois anos. A mãe acredita que a participação de crianças no evento é importante para que elas adquiram uma referência no mundo da arte. “Essa experiência também pode agregar na construção do próprio pensamento da minha filha. Ela é estimulada a ver as obras de outras crianças e desenho interativos, que talvez se tornem uma inspiração para o futuro”, ressalta. 

Além disso, o GT Educação busca propor percursos de mediação cultural para formação de público para trabalhos artísticos nas mais variadas linguagens da arte. O Grupo também pensa na programação de atividades voltadas para o público de crianças e jovens nos dias do evento. 

O coletivo propôs a criação da 1ª Rota de Artes para as crianças. Segundo a Carta Colmeia 2024, o projeto tem o objetivo de incluir ainda mais o público infantil e jovens nas atividades do evento. Ele proporciona um espaço de formação estética e artística para todas as gerações de pessoas que vislumbram na arte uma outra possibilidade de perceber o mundo e a vida. 

Natalia Ferraz Mello, mãe de Lucas e Guilherme, destaca que esse tipo de iniciativa é essencial para auxiliar no enriquecimento de cultura das crianças. “A arte dá mais autonomia e os ensina a terem mais criatividade e pensamento crítico, além de proporcionar momentos inesquecíveis em suas vidas”, afirma Natalia. 

A Rota é pensada e organizada para proporcionando às crianças e jovens percursos de educação estética. A iniciativa forma o público para o contato com a arte, em suas mais diversas formas e linguagens. 

Contudo, não somente o interesse dos filhos é importante para a inserção do público infantil no mundo da arte e cultura, mas o apoio dos pais também é essencial para que as crianças tenham uma boa experiência no Coletivo Colmeia. 

Coletivo Colmeia: A arte como ferramenta de conexão e transformação Social

O Coletivo Colmeia vem se consolidando em Blumenau como um espaço de interação artística e transformação social, promovendo a arte como meio de expressão, inclusão e convivência. Mais do que um evento, o Colmeia atua como um movimento que resgata o sentido comunitário da arte e a torna acessível para diferentes públicos.

Para muitos artistas, como Lucas Moura Nunes, o Coletivo Colmeia significou uma oportunidade de voltar a se reconectar com a arte “Já tinha um tempo que eu tinha parado de pintar, de me expressar artisticamente. Quando eu cheguei em Blumenau, senti saudade de casa e a necessidade de pintar, aí fui apresentado para o Colmeia por um amigo, fui super bem recebido e comecei a vir”, relata o artista de 30 anos.

Essa conexão não se dá apenas entre os artistas e o evento, mas também envolve o público, que encontra na arte uma forma de expressão e identificação. A gratuidade do evento é um fator que amplia o alcance da iniciativa, promovendo acesso democrático à cultura.

A diversidade de públicos e atividades no Coletivo Colmeia é outro fator que o diferencia. Raquel Gastaldi, organizadora do evento, destaca que o planejamento é pensado para atender todas as idades, com oficinas para crianças, jovens e adultos. “Vamos cuidar das nossas crianças, mas vamos mostrar artes para eles. E a gente está fazendo isso. A colmeia faz isso, faz isso para a população, para os jovens, para os idosos”, aponta Raquel.

Em tempos em que a tecnologia muitas vezes distancia pais e filhos, espaços como o Coletivo Colmeia são oportunidades raras de reconectar. Ele oferece momentos de interação genuína e a construção de memórias afetivas.

O Coletivo Colmeia se consolida, assim, como uma iniciativa que não apenas exalta a arte, mas que atua como agente de transformação social, visto que a arte pode ser difundida desde a infância, por todas as classes e gêneros, ampliando a oportunidade de descontração, lazer e interação por toda parcela da população.

O evento traz para o centro da discussão a importância da acessibilidade à cultura, a formação de uma visão crítica e a valorização da convivência entre diferentes gerações, criando um espaço de troca, aprendizado e conexão.

Por: Amanda Deschamps, Ana de Liz Marcolin, Andrei Felipe Imthurm e Daiane de Ramos.