Como os trajes típicos da Oktoberfest se adaptaram aos novos tempos
Em 2019, Julia foi convidada pelos amigos a ir para a Oktoberfest, festa tradicional alemã de Blumenau. Entre a animação e a ansiedade de chegar o dia da festa a dúvida a perseguia: qual roupa vou vestir? No primeiro ano, alugou um traje simples, apenas para aproveitar a festa e estar a caráter. No segundo ano, decidiu comprar um traje mais elaborado, mais longo com rendas e um avental. No terceiro ano, procurou seu traje com acessórios que refletiam sua personalidade, como um chapéu decorado e colares típicos da festa. Finalmente, no quarto ano, Julia encontrou o traje que destacava a sua personalidade sem precisar dizer uma palavra, misturando a tradição da festa com o toque de modernidade.
A Oktoberfest, que significa “festa de outubro”, teve sua origem em 1810, em Munique na Alemanha, como uma comemoração do casamento do Príncipe Luís (Ludwig I) com a Princesa Theresa de Sachsen-Hildburghausen. Foi uma grande festa da qual todos do reino participaram. Depois, passou a ser realizada com frequência, sempre na mesma época do ano.
A Oktoberfest de Blumenau foi inspirada nessa tradicional festividade alemã. No entanto, a primeira edição do Brasil aconteceu em 1984, como uma saída para reerguer a cidade, devido a uma das maiores cheias do rio Itajaí-Açu, que atingiu o nível de 15,46 metros. Para ajudar na recuperação da cidade, membros da Prefeitura, empresários e a comunidade local se uniram e decidiram realizar a maior festa alemã das Américas, a Oktoberfest de Blumenau.
Na edição de 2023 da Oktoberfest em Blumenau, o evento atraiu mais de 400 mil visitantes, destacando a popularização da festividade. Esse número traz uma boa ideia de quanto a venda e confecção de trajes típicos movimentam a economia da cidade de Blumenau. Segundo a estilista e dona da loja de trajes típicos Bretzel, Olivia Pereira, cerca de 50% do faturamento da loja acontece no período da Oktoberfest.
A chegada da festa da Alemanha ao Brasil trouxe, além da festividade, a cultura germânica, como gastronomia, músicas, danças e o traje típico usado pelos alemães, que carregam consigo muitas histórias e tradições. O traje tradicional típico é o Lederhosen (masculino) e o Dirndl (feminino), o Lederhosen é composto pelo suspensório, camisa, chapéu, bota de couro e bermuda ou calça, geralmente feitos com peles de cabra ou bezerro, também pode ser utilizados peles de veado ou camurça. Há três modelos distintos: A kurze Lederhose (termina acima do joelho, e é predominantemente utilizado pelas crianças), o Kniebundlederhose (termina abaixo do joelho e é o modelo mais popular) e o Lange Lederhose (longa até o tornozelo). Já o Dirndl é um vestido (ou saia e colete) em conjunto com um avental e uma blusa de algodão branca.

No início da festa no Brasil os trajes também possuíam suas tradições. “As mangas bem bufantes, o cabelo bem volumoso, maquiagem marcada, mas então o traje começou mais liso, com bordados grandes, até porque grande parte era feita manualmente assim. As vós, as mães bordavam e tal, tinha o bordado da Casa Meyer, era bem famoso”, comenta a estilista Olivia Pereira, proprietária da loja de trajes típicos Bretzel.
A arquiteta e escritora do blog Arte, Cultura, História e Antropologia, Angelina Wittmann, explica que na Alemanha há uma divisão de trajes em cada tipo de localidade, os trajes típicos são separados em algumas categorias, duas das mais famosas são, o traje tradicional (Lederhosen e Dirndl) e o traje de passeio (vestidos com comprimento até dois dedos acima do joelho, sapatos, meia, ou polaina baixa). O traje tradicional é mais utilizado ao Norte da Alemanha e é comercializado na Oktoberfest, e o traje de passeio é mais comum no Sul do País. “Como é que nós vamos definir um traje da Alemanha? É muito mais diversificado do que a cultura brasileira”, lembra Angelina, que passou anos viajando pela Alemanha e estudando sobre cultura para escrever seu blog. “Então se fala que, o alemão é isso, o alemão é aquilo e eu já pergunto de que região? Com o traje também”, complementa.
“As mangas bem bufantes, o cabelo bem volumoso, maquiagem marcada, mas então o traje começou mais liso, com bordados grandes, até porque grande parte era feita manualmente assim. As vós, as mães bordavam e tal, tinha o bordado da Casa Meyer, era bem famoso”
Olivia
História e modernidade
O Lederhosen surgiu no século XVIII, quando eram usadas pelos camponeses e trabalhadores rurais da Baviera. Naquela época, a região era predominantemente agrícola, então o Lederhosen era perfeito para resistir ao trabalho pesado no campo. Já o Dirndl surgiu como o uniforme de funcionárias austríacas (Dirndlgewand, que significa “vestido de empregada”). Foram também usadas por mulheres que trabalham em cores lisas ou enxadrezado. Originalmente, cada aldeia tinha seu próprio estilo e ornamentos, com o tempo as classes mais altas austríacas aprovaram o Dirndl como alta moda na década de 1870.
Olivia Pereira explica que com o tempo mais acessórios foram se envolvendo na construção dos trajes típicos como os colares de flores Edweiss (flor do amor de origem alemã), o Charivari masculino, utilizado para mostrar as conquistas nas caçadas, viagens e entre outros. “Eles viajavam para fora: ‘ah, eu trouxe uma moeda de um país diferente’, ‘ah, eu explorei uma caverna e trouxe um cristal’, ‘matei um javali e botei uma presa do javali’, e aquele acessório começou a ficar pesado. Então, ele virou um acessório à parte em si. Quanto mais cheio ele era, mais história o rapaz tinha para contar”, conta a estilista.
Apesar de os trajes serem parecidos entre a Oktoberfest de Blumenau e a de Munique, há pessoas como Meire Rodrigues, de 42 anos, que prefere os vestidos tradicionais alemães. “Tanto do Brasil quanto da Alemanha, é uma comparação que eu acho que não tem como comparar, porque lá eles vão muito na tradição. Se vocês perceberam aqui no Brasil, elas, a parte de cima geralmente, ou é só um cropped e uma saia, alguma coisa, geralmente parece que eles foram adaptando, então cada um faz do seu jeito”, analisa.
A estudante de moda da Universidade Regional de Blumenau (FURB), Ana Defrein, explica que a releitura dos trajes é importante. “Releitura é importante para trazer esse toque de modernidade, porque eu acho que quando o tempo, vai passando, todo mundo vai mudando, né? As pessoas vão mudando, a sociedade vai mudando. E acho que acrescentar cores, colocar algo diferente, alguma coisa assim, é importante e valido”, ressalta
“Releitura é importante para trazer esse toque de modernidade, porque eu acho que quando o tempo, vai passando, todo mundo vai mudando, né? As pessoas vão mudando, a sociedade vai mudando. E acho que acrescentar cores, colocar algo diferente, alguma coisa assim, é importante e válido”
Ana
Sustentabilidade e criação
Os estudantes do curso de Moda da FURB são os responsáveis pela criação dos trajes da realeza da Oktoberfest em Blumenau. Um dos diferenciais da festa em relação à versão original de Munique é justamente a presença da realeza, pois a Oktoberfest alemã não possui realeza.
“O processo de criação do traje partiu da nossa coordenadora, professora Márcia Bronnemann. Ela também ministra algumas matérias do nosso curso e tem essa parceria com a Oktoberfest de Blumenau, com o pessoal da Vila Germânica. É através dela que tivemos oportunidade para criar. Então a gente pode é aceitar ou não fazer. O traje é uma decisão nossa. Tem gente que não fez, tem gente que fez”, explicou Ana Defrein.

Um ponto importante para ser destacado é a atenção crescente à sustentabilidade. “Atualmente, o mercado da moda está prestando mais atenção nessa questão, mas eu não acho que seja um assunto que todos conhecem ou se importam de fato. Normalmente, o consumidor que não tem muita informação sobre sustentabilidade tende a priorizar o preço”, destacou Ana.
Entre histórias, tradições e a modernidade, a festa vai se complementando, modificando e melhorando o que o público não gosta e dando atenção ao que o público vai aderindo. Como os trajes que, desde seu surgimento, já foram modificados muitas vezes. Mas o que esperar do futuro da confecção dos trajes?
“Então eu acho que os vestidos vão ficar mais longos, mais elegantes mais sóbrios, as blusas vão mudar um pouco, então pode ser que as mangas deem uma enchidinha, assim a gente pode ter as duas versões, a mais sequinha e a mais cheinha”, avalia a estilista Olivia Pereira. A estudante de Moda Ana Defrein projeta a influência do mercado no modo de vestimenta da festa. “Mas eu acho que a maior parte é de coisas artesanais também, influencia bastante o mercado da moda aqui e o consumidor de Blumenau”, finaliza Ana a respeito de um possível futuro.

Júlia é um pseudônimo utilizado na matéria para preservar o anonimato e proteger a fonte
Por: Eduarda Amaral, Roselaine Bittencourt e Luiza Moraes