A execução da prática de uma ideia, de um dom, de uma habilidade, de uma profissão e de uma atividade criadora. A arte pode ser definida de diferentes formas. Por mais que seja incompreendida pela maioria, é considerada por muitos como essencial para sociedade. Em seus vários segmentos, a arte pode ser expressa por meio de exposições, em palcos, em telas, em corpos, e está presente nas ruas. “A arte deve ser vista como uma manifestação e como o veículo humano para a expressão”, afirma o artista e tatuador Cauan Rossoni Feversani, ressaltando que acredita no papel social e construtivo da arte.
Ainda segundo Feversani, a arte de rua procura agregar todo mundo, independente de classes sociais, justamente por estar presente em lugares urbanos muito visíveis por todos. “Quem passa por ela (a arte) é desde o carroceiro até uma pessoa dentro de uma Mercedes. No museu é diferente, para admirar as obras você tem que pagar ingresso, e até para uma obra entrar, ela tem que ser selecionada. É toda uma burocracia. Já a arte de rua não, o artista vai lá e se manifesta. E ela fica ali, na rua, na chuva, pega vento e pode ficar velha. É pura manifestação, e muitas vezes nem pensamos em ganhar um bônus. Você faz e muitas vezes a maioria das pessoas não vai nem saber quem você é”.
Com seus 40 anos de experiência na área, a artista plástica Rosinha Imthurm acredita que a arte de rua tem um conceito único, no qual o artista manifesta sua ideia com livre expressão. “Conhecemos a cultura e a ideologia social com a leitura da arte de rua. Sua importância está na compreensão de uma linguagem que a arte comunica, pois toda a história da humanidade seguiu junto com a arte e seus movimentos artísticos e a arte de rua está nesse movimento”, ressalta Rosinha.
Já para Alejandro Knaesel Arrabal, professor de Direito da Propriedade Intelectual, a arte é um canal para a reafirmação da condição humana. “Toda a manifestação artística é importante, seja para afirmar ou reafirmar algum vetor cultural ou alguma concepção de vida ou existência e revela dentro do contexto social algum tipo de parâmetro”, explica o professor, completando que a arte não possui censura, mas existem limites, tanto técnicos quanto em questão de espaço.
Muralizando
São em muros, paredes e em locais urbanos que as cores se manifestam e podem ser admiradas por qualquer um que passa por elas. Os registros buscam seu espaço em meio a rotina conturbada da sociedade atual. A técnica tem conquistado a cada dia mais adeptos. Gustavo Baseggio, 24, mora em Blumenau há quatro anos. Acadêmico de artes visuais da Universidade Regional de Blumenau (Furb), trabalha como tatuador e artista plástico. “Vim para Blumenau estudar arte e conhecer coisas novas. Comecei me jogando mais na cultura da tatuagem e logo conheci a cena do grafite aqui na cidade. Tive o primeiro contato em uma oficina organizada pelo Centro Acadêmico de Artes Visuais da Furb, no qual tive um entrosamento legal, que me despertou o interesse por adentrar nesse mundo e acabei conhecendo o pessoal que já tinha uma caminhada”, conta Baseggio.
Gustavo Baseggio criando o grafite em corredor da Universidade Regional de Blumenau (Furb) (Crédito: Vinicius Kalyu)
Ainda segundo o tatuador e artista, a prática tem crescido muito em Blumenau nos últimos anos. “A cena do grafite está crescendo graças a esses caras que abriram bastante as portas pra gente que está começando hoje. Eles enfrentaram várias barreiras, o que fez de Blumenau um cenário fértil e que tem potencial para a criação”, afirma, ressaltando que para ele é uma questão de tempo até que essa cultura cresça e seja mais aceita na cidade.
A técnica de “riscar a parede”, como é chamada por muitos artistas e adeptos, apareceu por volta dos anos 60, em Nova Iorque, quando jovens marcavam as paredes da cidade que nunca dorme. “O grafite surge junto com a pichação, com a galera demarcando territórios. Nas estações de trem, o povo do sul registrava sua marca nos trens para a galera do norte ver e assim surgia uma rixa. Cada um querendo marcar a rua e mostrar o seu trabalho”, explica Cauan Rossoni Feversani, artista e tatuador.
Para Gustavo, a arte de rua não é só o grafite, mas a “street art” em geral. “Tudo que está acontecendo na rua está muito junto a essa cultura e ao hip hop”, conta.
O que vem se tornando cada vez mais discutido é a linha tênue entre o grafite e a pichação, visto que ambas possuem um contexto social similar. “A pichação sempre teve um cunho protestante. É um protesto da galera que é marginalizada, que enfrenta uma barra e que coloca na pichação uma forma de manifestação”, declara Cauan. Já para a professora e artista plástica Rosinha Imthurm, a prática é mais um movimento anarquista.
As artes são fixadas e hospedadas em paredes e muros de espaços públicos e podem estar condicionadas a certos parâmetros. “O conceito de local público não necessariamente significa que ele está disponível a todos. Por exemplo, um prédio ou uma edificação, ainda que esteja em logradouro público, não significa que está disponível ao que possa te interessar. O que a legislação estabelece é no sentido de autorizar o grafite desde que haja o consentimento da pessoa responsável pelo espaço”, explica o professor Alejandro Knaesel Arrabal.
Apesar de ainda ser perceptível a presença mais comum de homens no grafite, as mulheres têm conquistado seu espaço no meio. A grafiteira Camila Way, por exemplo, inseriu-se no mundo do grafite por volta do ano de 2015, e conta um pouco sobre o preconceito sofrido, dentre outras experiências proporcionadas pela arte de rua.
Como/quando você entrou em contato com arte de rua?
Primeiro contato que tive com a arte do grafite foi quando vim morar em Blumenau, em 2009. Na escola que eu estudava tinha um grafite e eu achei um máximo aquilo. Como vim de cidade pequena nunca tinha presenciado.
Conheci amigos aqui em Blumenau que me incentivaram muito a começar. Como eu já desenhava seria mais fácil, e devo ter começado em 2015.
É uma experiência incrível! Mesmo sendo alvo de preconceitos, por ser mulher, de profissionais do mesmo ramo, isso só me motivou mais a continuar. Percebi como era importante ter uma figura feminina nas ruas. Fiz amizades com quem posso considerar parte da família, minha família da rua. É muito gratificante olhar as crianças felizes e esperançosas por você estar pintando um local que muitas vezes estava vazio e abandonado.
Na sua opinião, o que é arte de rua e qual a importância dela? Acredita que ela tenha um papel social?
A street art vai desde o graffiti, tags, lambes e stencil. E sim, acredito que a importância dela é levar a arte para as ruas de uma maneira mais fácil para a sociedade, sem ter que ficar frequentando museus para ver arte. Por ela estar presente no dia a dia.
Artistas ou pedintes?
Fernando Jonatas da Silva trabalhando em sinaleira de Blumenau (Crédito: Bruno Vicentainer)
Eles dependem inteiramente de suas habilidades para garantir “o pão de cada dia” nas ruas, onde trabalham. “Muitas pessoas falam pra gente ir trabalhar e que somos vagabundos”, conta o malabarista Fernando Jonatas da Silva, 26.
Natural de São Paulo, se apresenta em sinaleiras há 10 anos e relata que a profissão é um aprendizado constante, no qual as apresentações são para a integração com o público, que para ele é muito importante. “Tem dia que é bom, até parece que o povo quer que estejamos ali, que sentem falta, mas tem dia que está todo mundo de cara virada, o que é normal, é o ritmo da rua, e isso não é só aqui, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, talvez por serem de classe média alta, não são muito de acordo com o trabalho artístico de rua, que traz a felicidade”, afirma Silva, ressaltando que busca conquistar seu espaço nas ruas com a esposa e o filho.
Florencia, 24 anos, é natural da Argentina e veio para Blumenau trabalhar para realizar o sonho de ter uma Kombi. Com um sotaque que não nega sua nacionalidade, trabalha há quatro anos nas ruas da cidade e gosta da vida fora do sistema. “Tenho muitos amigos que me ensinaram a fazer, me animei, fui a sinaleira e comecei a trabalhar”, explica a artista.
Ainda segundo Florencia, o rendimento de suas apresentações dependem muito do tempo que passa na rua. “Se você trabalhar pouco tempo, ganha pouco dinheiro, já se trabalhar todo o dia vai ganhar muito. Eu faço uma média de 10 a 15 “pila” por hora e gosto de trabalhar com isso”, afirma.
Entre versos e rimas
É a céu aberto e acompanhadas do beatbox que a voz e as rimas se tornam o principal meio de expressão e resistência. A rua é o palco e todos que por ela transitam são os espectadores. Essa é a realidade de vários músicos que demonstram seu talento para o mundo.
Em Blumenau, com o objetivo de abrir o espaço para outros segmentos da arte de rua, surgiram as batalhas de rap. “Tem muito Mc em Blumenau, muito B-boy, muito grafiteiro, mas faltava espaço pra rapaziada soltar a voz e suprir essa carência que Blumenau tem do movimento hip-hop”, explica o organizador e apresentador da Batalha Lucas Ariel.
Pedro Bursoni, estudante de Publicidade & Propaganda, usa sua experiência universitária para trabalhar na batalha da prainha desde o início. “Nós já estamos na 20ª edição da batalha da prainha. Cada edição é uma evolução, começamos sem luz, não tinha microfone, era no peito, no beat box e na voz. Agora já contamos com duas caixas de som, equipamentos, apoiadores e diretoria, que sempre inova em premiação”, conta.
Ainda de acordo com Pedro, o preconceito existe, mas sempre é vencido. “Já tentaram tirar a gente de lá, desligaram o cabo de energia, mas continuamos persistindo. Do movimento está saindo tantos grupos novos em Blumenau, tanta gente saindo e deixando de fazer coisa errada pra começar a produzir, a ter trabalho artístico e a desenvolver uma técnica e uma cultura, nada vai nos parar”, afirma.
O envolvimento de Lucas com a cultura e arte de rua, por sua vez, começou cedo. No ano de 2006 tentou dançar break no colégio. Já com 10 acompanhou e trabalho com o grafite do irmão mais velho, que tem obras em muros de Blumenau. “Depois que fui crescendo e me conhecendo melhor, eu percebi que era esse o caminho que eu queria seguir. O do rap, hip-hop, que engloba toda essa cultura de rua e aprendi muito com esse envolvimento com a batalha. É gratificante ver algo que estou organizando alcança tanta gente. A faixa etária dos Mc’s está entre 16 e 18 anos e em um domingo à tarde eles podiam estar fazendo merda na rua, mas estão lá batalhando. A gente acaba proporcionando algo muito além do que uma batalha”, ressalta o organizador.
Artesanato
No dia 22 de outubro de 2015, sancionada pela presidenta em exercício Dilma Rousseff, a profissão de artesão foi regulamentada com a publicação da lei Nº 13.180, que formaliza e incentiva essa atividade no país. Além de instituir a carteira profissional, autoriza o apoio do executivo e beneficia cerca de dez milhões de artesãos no país.
Artesanato de Rafael em rua de Blumenau (Crédito: Nicolle Campos)
Como é o caso de Rafael Oliveira, que na calçada expõe o artesanato que produz, há 20 anos. São brincos, colares, pulseiras, artigos para decoração e outros, produzidos e vendidos pelo profissional, que escolheu as ruas para demonstrar a arte e sua história. “Vendo mais o trabalho comercial do que o trabalho artístico e mais trabalhado. O que eu queria fazer é mais peças exclusivas, mas parece que o pessoal não gosta, eles preferem mais as coisas quem veem os outros usando, cidade modista, meio estátua”, ressalta Oliveira.
As peças produzidas por ele são todas confeccionadas com matéria prima nacional, o que, segundo ele, ajuda a manter o seu trabalho. “Já passei por fiscalização, mas eles não podem fazer nada contra nós, pois tem a lei que defende os artistas de rua. Eles fiscalizam os produtos que vem da China, que são pirataria e como nosso material é de dentro do país, não tem problema. A galera confunde muito vendedores de rua com artistas de rua, só que não tem nada a ver uma coisa com a outra, no sistema é tudo igual”, explica.
Rafael diz já ter sido vítima do preconceito de pessoas que não entendem o seu estilo de vida, porém leva todas as críticas como incentivo para continuar levando a sua verdade. “Preconceito todo mundo sofre, não só o artista, mas qualquer pessoa. O preconceito está dentro da gente, sobre coisas que falamos, conduzimos ou vemos. Eu acho que isso vai existir sempre em qualquer lugar do mundo”, exclama o artesão.