Um século do Dia do Trabalhador no Brasil: o que o passado tem a dizer para o futuro dos trabalhadores da nação?

Desde a oficialização em 1924, muita coisa mudou nos trabalhos dos brasileiros. Agora, diante de novas formas e mudanças na legislação, o centenário traz reflexões sobre os próximos passos a serem trilhados

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Gravação por Guilherme Peters.

Brasileiro que é brasileiro adora um feriado. Quem nunca sentiu uma felicidade genuína ao olhar o calendário e pensar “que coisa boa, esse mês tem um feriado para descansar”. No mundo, os mais comuns como Páscoa, Natal, Carnaval, Finados possuem origem no cristianismo e tem forte ligação com a história da religião. Mas há um feriado comemorado globalmente que não vem de nenhuma fé: o Dia do Trabalhador.

Em 2024, o Brasil comemora os 100 anos da promulgação desta data, oficializada pelo presidente Arthur Bernardes, em 1º de maio de 1924. No entanto, as raízes deste dia são muito mais antigas. A origem do Dia do Trabalhador remonta ao século XIX, mais especificamente ao episódio do “Massacre de Haymarket”, em Chicago, nos Estados Unidos, em 1886. Trabalhadores que lutavam pela jornada de trabalho de oito horas foram duramente reprimidos pela polícia, resultando em mortes e em uma onda de comoção internacional. Esse evento serviu como estopim para a mobilização em prol dos direitos trabalhistas e inspirou a criação do 1º de maio como um dia de luta global.

No Brasil, a luta por direitos dos trabalhadores também teve seus momentos decisivos. A primeira grande greve geral aconteceu em 1917, em São Paulo. O episódio marcou a união da classe operária por melhores condições de trabalho, exigindo, entre outros pontos, a redução da jornada. A mobilização foi crucial para a criação de um movimento sindical mais organizado e pavimentou o caminho para a oficialização do 1º de maio como feriado nacional sete anos depois, em 1924. Outro momento chave foi o fortalecimento da Justiça do Trabalho a partir da Constituição de 1934.

Operários marcham na grande greve de 1917, em São Paulo/Foto: Edgard Leuenroth/IFCH/Unicamp

Em 1943 surge a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sancionada em 1º de maio pelo então presidente Getúlio Vargas. A CLT estabeleceu um documento legal que garantiu direitos fundamentais como a jornada de oito horas, férias remuneradas, 13º salário, e licença-maternidade, entre outros. Para muitos, a CLT é o maior símbolo da conquista operária no Brasil, consolidando uma série de avanços que, até então, eram apenas reivindicações. O 13º salário é uma das coisas mais esperadas por todo trabalhador CLT. Edegar Pelentir, de 57 anos, na última vez que recebeu conseguiu comprar um celular para seu neto de presente de Natal. “É um dinheiro nosso, mas que a gente geralmente não lembra, então quando vem é só alegria”, comenta, satisfeito. 

A Constituição de 1988, por sua vez, é considerada o maior ato de proteção trabalhista. O texto estabeleceu, por exemplo, o direito ao adicional noturno, repouso semanal remunerado, participação nos lucros e o direito de greve, além de fortalecer a atuação dos sindicatos. Esses avanços representaram uma resposta aos anos de repressão vividos durante o regime militar, que, entre outras medidas, eliminou a estabilidade no emprego e restringiu o direito de greve. “A partir da Constituição de 1988, esses direitos passam a ser efetivados e ampliados, dando cada vez mais dignidade ao trabalhador e assegurando que esse trabalhador tenha, a partir dessas legislações, as mínimas condições necessárias para exercer a sua função e receber o mínimo possível por essa função”, comenta Martin Stabel Garrote, historiador e doutor em desenvolvimento regional pela Universidade Regional de Blumenau.

Esses direitos são sentidos na pele no dia a dia. Marilda Aparecida da Silva, de 55 anos, pondera sobre como eram as situações de trabalho quando era mais jovem. Desde muito nova, ela teve que trabalhar no ramo têxtil para sustentar os gastos da casa, mas as situações eram bem diferentes. “A gente trabalhava muitas horas seguidas, com calor, muito pó, sem parar para lanchar às vezes”, relembra. Hoje, ela percebe melhorias significativas na qualidade de vida de quem trabalha nesse setor.

O papel dos sindicatos

Dentre as lutas trabalhistas e a conquista por mais direitos, e consequentemente qualidade de vida, se destaca o papel ativo dos sindicatos neste processo. Os sindicatos são organizações de representação dos interesses dos trabalhadores, criadas para compensar o poder dos empregadores na relação contratual. As primeiras organizações tiveram origem na metade do século XIX e, ao final dele, vários países, incluindo o Brasil, já reconheciam sua existência. 

Reunião do Sindetranscol em 31 de julho de 2024/Foto: Reprodução/SINDETRANSCOL

Atualmente, em Blumenau, existem vários sindicatos, sendo um deles o Sindicato dos Empregados do Transporte Coletivo Urbano (SINDETRANSCOL). Criado a partir da insatisfação dos trabalhadores com a atuação do antigo sindicato, o SINDETRANSCOL surgiu como uma resposta às péssimas condições enfrentadas pelos empregados do transporte coletivo.

Ricardo Freitas, assessor do sindicato, explica que a luta vai além da defesa de direitos, representando uma resistência contra a precarização do trabalho, especialmente após a Reforma Trabalhista de 2017, que trouxe mudanças significativas e, para muitos, prejudiciais às garantias dos trabalhadores. “O sindicato é fundamental, seja na defesa de conquistas, seja no avanço destas, desde que seja uma entidade com ação sindical com as características aqui descritas. Passa pelo sindicato a articulação do conjunto dos trabalhadores e sua colocação em movimento, aumentando a pressão sobre os segmentos patronais”, reforça ele.

Um dos grandes êxitos do sindicato, segundo Ricardo, foi a manutenção dos postos de trabalho dos agentes de bordo, função eliminada em diversas cidades do país. Em Blumenau, a pressão sindical garantiu que cerca de 400 trabalhadores mantivessem seus empregos, o que representou uma vitória contra a onda de demissões no setor.

A atualização das leis trabalhistas

A discussão sobre os direitos dos trabalhadores não se encerra nas conquistas do passado. A cada década, novas dinâmicas surgem no mercado de trabalho, exigindo que a legislação seja revista e adaptada. Thiago Sevenhani Baehr, presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB de Blumenau, salienta que a CLT, embora tenha sido um marco revolucionário, precisa ser atualizada para responder aos desafios impostos pelas novas formas de trabalho da atualidade.

“A gente tem que pensar que o mundo de 1943 era diferente. Quando foi feita a CLT, não tem mais nada a ver com 2024. A gente está em uma outra dinâmica”, explica Thiago. Um dos exemplos, segundo o advogado, são as novas profissões relacionadas às tecnologias. Na época da promulgação da CLT, predominava o trabalho industrial, o que refletiu naquelas leis. Contudo, as profissões hoje em dia divergem muito e uma realidade pode não ser a mesma da outra, pontuando sobre a necessidade de uma nova atualização das leis.

Ainda neste sentido, há a Reforma Trabalhista de 2017. Para muitos trabalhadores, especialmente aqueles em setores mais vulneráveis, a reforma representou a retirada de garantias importantes, colocando-os em situações de maior insegurança econômica. Thiago pondera que a reforma foi muito criticada por ter sido feita rapidamente. “Muitos advogados brigaram, outros já se acostumaram e já se adaptaram… Então precisaríamos de mais reformas? Precisaríamos. A gente precisa inovar um pouco mais”, destaca.

A caminhada para o futuro

Se, por um lado, o Brasil tem uma história rica de conquistas trabalhistas, por outro, novos desafios surgem a cada ano. A precarização das relações de trabalho, a informalidade crescente e o enfraquecimento dos sindicatos são apenas algumas das questões que precisam ser enfrentadas.

Segundo o ministro Evandro Valadão Lopes, presidente da Comissão de Documentação do Tribunal Superior do Trabalho, relembrar a história dos direitos trabalhistas é fundamental para resgatar a importância de marcos como a Constituição de 1988, que firmou as bases para a proteção dos trabalhadores e para a construção de um país mais justo.  “A história e a memória são instrumentos de extrema importância para, ao relembrar o passado, nos dar luzes para o nosso caminhar em direção ao porvir, ao futuro”, finaliza.

O centenário da promulgação do Dia do Trabalhador no Brasil, portanto, é uma oportunidade não só de celebrar o passado, mas também de refletir sobre o futuro. Com novas formas de trabalho surgindo e com a necessidade constante de adaptação das leis, a luta pelos direitos trabalhistas continua mais relevante do que nunca.


Por: Guilherme Peters

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