Como as redes sociais moldam os ideais de beleza

A facilidade do acesso às redes digitais estimula nas intervenções estéticas e redefine padrões que podem prejudicar a saúde mental de adolescentes

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A influencer e miss bumbum Andressa Urach ficou conhecida nacionalmente como modelo e por participar do reality show A Fazenda. Durante anos, ela buscou se encaixar em padrões extremos de beleza, realizando diversos procedimentos estéticos, como aplicação de silicone, preenchimentos e, principalmente, a aplicação de hidrogel nas coxas, substância que quase a levou à morte.

Em 2014, ela desenvolveu uma grave infecção decorrente da aplicação de mais de 200ml de hidrogel acima do permitido. O caso evoluiu rapidamente para uma infecção generalizada e Andressa ficou internada na UTI, respirando por aparelhos e lutando pela vida durante 37 dias. Médicos chegaram a considerar a possibilidade de amputar suas pernas e ela passou por várias cirurgias para remover o produto do corpo.

O caso gerou repercussão e causou debates públicos sobre os riscos de procedimentos estéticos sem acompanhamento adequado, a influência negativa das redes sociais e a pressão por padrões de beleza irreais.

“Grande influência desse movimento parte do estímulo que grandes empresas e a própria sociedade impõe sobre possuir o ‘corpo perfeito’. As redes sociais, comerciais televisivos, outdoors e diversos outros meios propulsionam a busca por esse padrão estético, fazendo com que as pessoas criem essa necessidade para obter visibilidade ou até mesmo se sentir pertencente à sociedade da qual ela está inserida. No mundo cada vez mais digitalizado que estamos hoje, os jovens, consequentemente, se tornam mais propensos a serem influenciados por esse tipo de incentivo.”

– Elaine Cristina da Silva, socióloga e assistente social


Marcela Corrêa, médica cirurgiã plástica, acompanha essa realidade ainda mais de perto em sua realidade profissional. “Observamos um aumento significativo no número de pacientes jovens, inclusive adolescentes, buscando procedimentos estéticos. Essa faixa etária, cada vez mais exposta a padrões de beleza irreais nas redes sociais, tende a procurar intervenções precoces, mesmo em situações em que não há indicação clínica clara”, completa.

Influenciadores e os novos rostos da beleza

Com milhões de seguidores e alcance global, influenciadores digitais se tornaram referência estética para muitos jovens. Por meio de fotos e vídeos editados, uso de filtros e até de procedimentos estéticos, eles exibem corpos e rostos que, muitas vezes, não representam a realidade.

Essas imagens idealizadas acabam criando padrões de beleza, muitas vezes inatingíveis sem intervenções cirúrgicas ou uso excessivo de edição. Narizes mais finos, pele sem imperfeições, bocas preenchidas e corpos esculpidos passaram a ser vistos como metas comuns, mesmo que, na prática, sejam apenas construções.

Além disso, muitos influenciadores fazem publicidade de procedimentos estéticos e clínicas especializadas, normalizando esse tipo de intervenções cada vez mais precoces, até mesmo entre adolescentes. Esse cenário tem gerado preocupações entre especialistas, que alertam para o impacto na autoestima e no desenvolvimento da imagem corporal de crianças e jovens. 

“A adolescência é um território de travessia. O corpo muda, a voz oscila, o rosto busca contornos de identidade. Nesse momento tão delicado, os jovens caminham sobre fios invisíveis entre o ‘quem eu sou’ e o ‘quem esperam que eu seja’. Quando se deparam, dia após dia, com imagens perfeitas nas redes sociais, corpos esculpidos, peles sem marcas, vidas sem falhas, muitos acabam sentindo que há algo de errado com eles. Esse período da vida é marcado por incertezas e questionamentos profundos, em que os adolescentes se tornam mais vulneráveis a modelos externos que oferecem identidades prontas, ainda que artificiais”, analisa a psicóloga Bruna Giraldi, que acompanha de perto os impactos da hiperexposição digital na construção da autoestima juvenil.

A linha tênue entre dismorfia corporal e autoestima

Em uma era dominada por filtros e procedimentos estéticos exagerados, o equilíbrio entre cuidar da própria imagem e se tornar “aprisionado” às tendências que mudam constantemente está cada vez mais sutil. Segundo dados do jornal BBC News, a dismorfia corporal costuma surgir na adolescência, e especialistas estimam que afete entre 1,7% e 2,9% da população. 

A autoestima está relacionada à forma como a pessoa se sente em relação a si mesma, à valorização pessoal, autoconfiança e bem-estar emocional. Ela pode variar de acordo com vivências e contextos sociais, mas geralmente se constrói a partir de referências internas e externas. Já a Dismorfia Corporal ou Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) vai além da insegurança, envolve uma percepção distorcida e persistente do próprio corpo, é um transtorno mental caracterizado por uma preocupação obsessiva com supostos defeitos na aparência, que muitas vezes só são percebidos pela própria pessoa. 

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), o TDC é classificado dentro do espectro dos Transtornos Obsessiva-Compulsivos, podendo causar ansiedade intensa, depressão e até comportamentos auto lesivos.

Esse dilema entre aparência e saúde mental, quebrando as fronteiras das redes sociais, também tem sido cada vez mais representado na cultura pop e nas telas da TV. Um exemplo recente é a série brasileira Beleza Fatal (2025), da Max, que mergulha no universo da estética de luxo para mostrar como a obsessão pela beleza pode se tornar destrutiva. Entre os casos retratados, a personagem Gisela Argento, interpretada por Julia Stockler, se destaca por sofrer de transtorno dismórfico corporal e vive presa a uma rotina exaustiva de procedimentos estéticos como botox, preenchimentos e intervenções repetitivas na tentativa de corrigir supostos “defeitos” que só ela enxerga.  A série mostra como essa obsessão impacta sua saúde mental, sua autoestima e seus relacionamentos, destacando de forma sensível e realista os danos silenciosos causados por esse transtorno.

Imagem de Site oficial da MAX

A médica cirurgiã Marcela Corrêa explica que além dos riscos psicológicos, existe também a preocupação com a saúde dos jovens que estão à procura dos procedimentos estéticos. “Eu diria que o risco maior está no grande número de procedimentos realizados no mesmo ato cirúrgico. Além de aumentar o risco de trombose venosa profunda, embolia pulmonar, infecção, sangramentos, má cicatrização, tornam a recuperação mais mórbida ao paciente. Em relação aos pacientes que buscam cirurgias em série, estes podem estar tentando corrigir inseguranças profundas, o que pode culminar em frustrações contínuas e dependência de procedimentos”, completa Marcela.

Bruna Giraldi corrobora com a fala de Marcela e explica o fenômeno digital: “as redes sociais funcionam como palcos e tribunais. A exposição é constante e o julgamento, também. A lógica das curtidas transforma a aparência em moeda de valor. Filtros, cirurgias e padrões estéticos deixaram de ser apenas modismos tornaram-se formas de sobrevivência em um mundo onde ser diferente muitas vezes significa ser rejeitado.”

Giraldi acrescenta que há uma naturalização crescente da ideia de que o corpo precisa ser corrigido. “Como se fosse uma peça inacabada, um projeto em constante reforma. Essa lógica tem alcançado cada vez mais os jovens, que passam a olhar para si com insatisfação antes mesmo de entenderem quem são. A promessa de aceitação virou produto e está sendo vendida em seringas, bisturis e retoques”, conclui.

Cirurgias e técnicas estéticas em alta: um retrato da demanda contemporânea

A Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) estima que mais de 3,4 milhões de cirurgias estéticas são realizadas anualmente no Brasil. Dentre a extensa lista estão a lipoaspiração, rinoplastia e a mamoplastia de aumento.

A lipoaspiração é uma cirurgia estética indicada para retirar o excesso de gordura localizada numa determinada área do corpo como abdômen, coxas, costas ou braços, por exemplo, ajudando a melhorar o contorno do corpo. 

Esse tipo de cirurgia ajuda a eliminar a gordura acumulada quando a alimentação e a prática de exercício não foram o suficiente. Segundo o levantamento do núcleo de jornalismo de dados do site de notícias Metrópoles, o (M)Dados, desde 2010, em média, 217.481 brasileiros se submetem à lipoaspiração a cada 365 dias. Quase 596 a cada 24 horas. Números que crescem ano após ano e que causam espanto.

Já a rinoplastia é um procedimento que visa alterar a estrutura, tamanho ou funcionalidade do nariz, atualmente muito utilizada para melhorar a estética. Em 2020, segundo dados da ISAPS, mais de 80 mil cirurgias desse procedimento foram realizadas no país, fazendo o Brasil liderar o pódio mundial em número de rinoplastias realizadas.

Para fechar o ranking de procedimentos estéticos mais recorrentes, a mamoplastia de aumento é um tipo de cirurgia indicada para mulheres que desejam aumentar o volume das mamas por razões estéticas ou funcionais através de uma prótese de silicone. 

Imagem por Lidia Diniz Fleming

Em uma pesquisa realizada pela Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, 37,5% das entrevistadas disseram que a principal motivação para a realização de algum procedimento cirúrgico, foi o desejo de elevar a autoestima.

Para a socióloga Elaine Cristina, esse dado mostra o quanto a sociedade tem buscado cada vez mais a aceitação, e que as redes sociais surgem como um forte potencializador desse fato por meio da busca por curtidas, comentários positivos e até da própria comparação com “influencers” que normalizam o corpo escultural mantido por meio dos procedimentos estéticos. Em uma sociedade moldada por padrões inalcançáveis, a busca pela perfeição estética não é vaidade, é um reflexo do medo de não ser aceito.

Mais do que uma tendência, a busca pelo corpo ideal se tornou um fenômeno social com impactos reais sobre a saúde física e mental de milhares de pessoas. A urgência do debate vai além da estética, trata-se de refletir sobre os mecanismos que moldam comportamentos e ditam normas. Em tempos em que ser “natural” parece subversivo, questionar o padrão é, mais do que nunca, uma necessidade coletiva.

Por: Lidia Diniz Fleming, Gabriella Caroline Maçaneiro, Bruno Diniz Comin Lacerda e Arthur Nossol

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