Do cachimbo a fumaça a vapor: como o vício percorreu pelas gerações até chegar aos influenciadores digitais e o impacto dos novos dispositivos eletrônicos
“Minha família descobriu mais recentemente, a maioria não conversou comigo sobre, mas minha mãe nem acreditou quando falei”.
Essa é uma fala de Ollie Correa da Silva, de 19 anos, estudante de Educação Física da FURB, ele fuma cigarro e cigarros eletrônicos (conhecidos como vape e pod). Começou a usar ambos aos 16 anos e quer parar de fumar.
“A maioria me apoia a parar, muitos até me trataram mal, de verdade, quando estava tentando parar de fumar e tive recaídas, mas a maioria me apoia” – Ollie
Diferente do padrão, Ollie é uma pessoa que consome diariamente o cigarro, por sua vez, o vape é algo que ele fuma casualmente. Cerca de 20% dos jovens entre 18 e 24 anos já usaram vape, de acordo com uma pesquisa feita pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e divulgada no Jornal da Unesp.
Ollie destaca o motivo de não consumir diariamente o vape: “Não prefiro o vape na verdade, pois ele contém uma quantidade bem mais alta de nicotina e ele facilita fumar em todo e qualquer lugar, ou seja, muito pior para o viciado”.
Ele aponta que a maior facilidade de acesso para cigarros eletrônicos é em lojas na internet, especialmente nas redes sociais. “Cigarro tem em todo lugar, mas pod e vape você consegue encontrar pelo Instagram de vendedores locais ou fornecedores de cidades próximas que vendem bem mais barato”, aponta. O valor destes produtos varia de 30 a trezentos reais.
A venda, fabricação, importação, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda do vape é proibida em todo o território nacional, regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas este vício não é de hoje, é muito mais antigo, surgiu cerca de 6000 a.C.
A origem de uma especiaria que construiu uma indústria
Vindo do continente sul-americano, mais precisamente nos Alpes Bolivianos, o cigarro era usado para fins espirituais e medicinais, principalmente por Pajés, a figura de um conselheiro de uma comunidade indígena.
Em novembro de 1492, Cristóvão Colombo desembarcou nas Américas e viu os indígenas fumando pela primeira vez. Segundo dados históricos, em 1530, o fumo (tabaco) foi levado para a Europa. Já em 1560, o então embaixador francês, Jean Nicot, levou o tabaco de Portugal para a França, pois acreditava que a planta poderia curar a enxaqueca que a rainha francesa, Catherina de Medicis, sofria. Por fim, os nobres da sociedade viram sua majestade pitando (fumando) e acabou virando “modinha” na Europa. Naira Leandro Voight, bióloga formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), explica que “Nicot enviou as folhas da planta para Catarina de Medicis, então rainha da França, que sofria de “enxaqueca”, sob a descrição de ser uma planta sagrada e milagrosa”.
O cigarro se transformou em um item do cotidiano. Os soldados utilizavam para lidar com o estresse e ansiedade causados pelos longos períodos vividos na guerra. E para marinheiros, nas longas viagens de expedição. E assim continuou, até os dias atuais. Contudo, com o início da Revolução Industrial no século XVIII, o cenário mudou drasticamente. A mecanização da produção e a intensa expansão das fábricas criaram condições de trabalho cansativas, marcadas por jornadas longas e ambientes insalubres.
Nesse contexto, o tabaco surgiu como um recurso para os trabalhadores enfrentarem o ritmo acelerado da industrialização. Seu consumo tornou-se um hábito recorrente dentro das fábricas e nos centros urbanos, sendo utilizado como uma forma de aliviar o estresse e suportar as exigências do novo modelo produtivo. Dessa maneira, o tabaco deixou de ter um uso exclusivamente medicinal e passou a integrar o cotidiano da classe operária, consolidando-se como elemento cultural da sociedade industrial emergente.
Produção do Tabaco
De acordo com a assessoria de comunicação da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), o país produz 541 mil toneladas de fumo, 508 mil apenas no sul do Brasil. O país é o maior exportador de fumo, são 512 mil toneladas exportadas. No sul do Brasil, são mais de 130 mil famílias que dependem da produção de fumo e 284 mil hectares dedicados à plantação em 591 municípios.
Alice* de 53 anos, é costureira, mas trabalhou durante 32 anos na plantação de tabaco. “Com sete anos, eu ajudava a carregar o fumo que o pai e a mãe colhiam para fora do carreiro até na estrada onde ficava a carroça”, explica Alice.
A costureira comentou que preferiu mudar de profissão: “comecei no fumo quando criança junto com o pai e a mãe e continuei depois que me casei, até parar e mudar de atividade”, explica.
Nas famílias que se dedicam ou se dedicaram nesse trabalho é comum ver crianças ajudando, como é o caso de Gael* que hoje tem 48 anos, mas auxiliou desde criança os seus pais. “Com oito anos, comecei a espalhar mudas, carregando o fumo depois de colhido e no rancho fazendo o acabamento”, explica o madeireiro que atuou na produção de fumo até 2011.
Apesar de sua importância econômica, a produção de tabaco no Brasil traz desafios significativos como o trabalho infantil e a taxa de mortes por causa do tabagismo. Cada vez mais tradicional, o cigarro dá espaço a novas formas de consumo, como os pods e vapes, uma mudança que traz novas discussões e desafios.
A criação do vape e pod
De acordo com a linha do tempo criada pela CASAA, organização estadunidense sem fins lucrativos que defende uma alternativa ao fumo tradicional, consta que a primeira referência documentada é a patente criada por Joseph Robinson em 1930, foi depositada em 1927, mas nunca comercializada e nem evidências de que foi fabricada.
Décadas depois, em 2003, Hon Lik, farmacêutico e fumante, criou na China o primeiro cigarro eletrônico comercialmente bem-sucedido. Sendo a Golden Dragon Holdings, a desenvolvedora do dispositivo.
Já em 2019, a marca Moti lançou o primeiro modelo de pod, o Mojo, que ganhou destaque no mercado. Inicialmente, os produtos enfrentaram desafios devido à qualidade inferior, não conquistando grande popularidade. No entanto, à medida que novos modelos mais avançados foram lançados, os pods descartáveis começaram a ser adotados por consumidores que buscavam substituir a fumaça do cigarro pelo vapor.
Diferente dos vapes, esses dispositivos possuem um sistema de regulagem limitado, que dificulta a redução gradual do consumo de nicotina. Ao invés de interromper o hábito, eles mantêm a ingestão da substância, oferecendo apenas uma alternativa sem combustão.
A imagem abaixo representa a diferença entre pod e vape:

A mudança do vício
A transição do cigarro tradicional para o eletrônico não aconteceu da noite para o dia. Vendidos por uma alternativa mais “segura” ao tabaco, os vapes se tornaram uma nova face da mesma dependência à nicotina. Com aromas doces, design diferente e o marketing nas redes sociais, os dispositivos eletrônicos se popularizaram rapidamente, principalmente entre o público mais jovem, acendendo um novo alerta entre especialistas em saúde pública.
Segundo a médica clínica geral, Letícia Manhães Barbosa, os cigarros eletrônicos são prejudiciais à saúde e não são seguros, pois a nicotina presente nos cigarros eletrônicos é uma droga altamente viciante. “Estudos científicos mostram que o uso dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), tanto agudo como crônico, está diretamente ligado ao surgimento de várias doenças respiratórias, gastrointestinais, orais, entre outras, além de causar dependência e estimular”, explica a médica.
Na década de 1990, o tabagismo era popularizado no Brasil. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), cerca de 35% da população acima de 15 anos era fumante. A popularização do fumo nessa época estava associada a fatores como: as várias publicidades de cigarros, a aceitação social do tabagismo e a falta de políticas públicas eficazes para o controle. Com o avanço das campanhas antitabagismo, restrição das propagandas e aumento da conscientização sobre os malefícios do cigarro, acarretou o desuso do produto, na década seguinte, o número de fumantes reduziu. No entanto, nos últimos anos, o surgimento e a popularização dos cigarros eletrônicos, especialmente entre os jovens, aumentaram. Em 2019, a PeNSE fez uma nova pesquisa e mostrou que 16,8% dos adolescentes entre 13 e 17 anos relataram já ter experimentado cigarro eletrônico, mesmo com a venda proibida pela Anvisa desde 2009.
A psicóloga Jaqueline Vincula, formada em psicologia pela Universidade do Contestado, comenta como esses dispositivos impactam negativamente não só na saúde física, quanto mental. “Do ponto de vista psicológico, o uso constante desses dispositivos pode estar relacionado a questões como ansiedade, dificuldade de lidar com frustrações e até uma tentativa de preenchimento emocional. É importante refletir sobre os motivos que levam alguém a buscar esse tipo de escape e buscar alternativas mais saudáveis” explica.
A longo prazo esses dispositivos se tornam totalmente perigosos para a saúde do indivíduo. Segundo Diogo Siebert, doutor em química pela Universidade Regional de Blumenau (FURB): “A gente não está falando de só uma substância presente nesses dispositivos, mas sim várias substâncias juntas em um só lugar, que são inaladas repetitivamente, o que pode levar a danos como o estresse oxidativo, que danifica o DNA, contribui pro envelhecimento celular e ajuda no desenvolvimento de doenças”, finaliza.
Além de não deixar cheiro perceptível, os cigarros eletrônicos se popularizaram entre os jovens por diversos fatores, incluindo as estratégias de marketing voltadas para esse público. A ideia de ser um produto recarregável, as embalagens coloridas e os aromas doces tornam o vape mais atrativo. Esses elementos criam uma imagem mais leve do que a do cigarro tradicional, o que contribuiu para a troca que a juventude fez entre o vape e o cigarro tradicional.
Ainda de acordo com a médica clínica geral, Letícia Manhães Barbosa, o tabagismo é um grande problema para a saúde. “O tabaco mata metade de seus consumidores. O uso de tabaco em qualquer forma rouba sua vida e causa doenças debilitantes”. A médica explica que o SUS possui atendimento para tratar o vício. “O tratamento inclui avaliação clínica, abordagem mínima ou intensiva, individual ou em grupo e, se necessário, terapia medicamentosa como a terapia de reposição de nicotina (adesivo transdérmico e goma de mascar) e o cloridrato de bupropiona, juntamente com a abordagem intensiva”, enfatiza.O cigarro é uma droga extremamente viciante, segundo o OPAS e OMS (Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde), mais de 8 milhões de pessoas morreram por este vício, sendo 1,2 milhão de mortes apenas pelo fumo passivo (quando existe o contato repetitivo da fumaça da substância com outro indivíduo). Letícia afirma que os dois cigarros (eletrônicos e convencionais) geram dependência e fumantes passivos, causam diversas doenças e podem levar à morte.

A internet influenciando para o bem
Nos tempos de império quem influenciava as pessoas eram reis e rainhas, hoje são influencers, mas que podem influenciar para o bem.
Gustavo Foganoli, de 23 anos, é influenciador digital e possui cinco milhões de seguidores em suas redes sociais. O influencer teve um papel importante na internet criando a #SemNicotina e mostrou o começo de sua jornada contra o vício do uso de cigarro eletrônico. Foganoli encorajou os internautas e outros influencers como, o João Pedro Mota (@jpmota) e a hashtag virou tendência entre as pessoas que também queriam combater o tabagismo.
Em seu Instagram, Foganoli apresentou mensagens de seus seguidores agradecendo a motivação que o criador de conteúdo ofereceu com seus vídeos usando a hashtag:


O influencer possui em seu Instagram um destaque sobre a hastag, sobre a sua trajetória e quando completou um ano fora do vício. Acesse os destaques do influencer aqui: Destaques
No primeiro vídeo que Foganoli apresentou o começo de sua jornada para parar de consumir produtos como os cigarros eletrônicos, soma até o momento mais de 670 mil curtidas. Nos comentários do vídeo, diversas pessoas se comoveram com o criador de conteúdo e até se motivaram com a hashtag.



Essa atitude que Foganoli e demais criadores tiveram foi uma forma de demonstrar que a internet pode ser um local que ajude as pessoas e não o contrário. Neste sentido, as redes sociais são uma ferramenta importante para o combate ao tabagismo e outros vícios. Já o mau uso da internet, como até a venda de produtos proibidos como cigarros eletrônicos em redes sociais e sites, é algo que desvia do potencial positivo do espaço virtual, sendo necessário uma regulamentação sobre estes conteúdos e a sua devida fiscalização.
Para Ollie, estudante de educação física da FURB, a alternativa é pautar o tabagismo nas instituições de ensino e publicidades governamentais, assim será freado este vício na sociedade. Ele chama este método de manutenção preventiva, e alerta: “muito se falava de outras drogas, mas não dos cigarros”, no sentido de que nas escolas é ressaltado o uso de maconha e outras drogas.
O comprometimento de um clique
A quantidade de influenciadores no Brasil teve um grande aumento entre 2024 e 2025, o número foi de 1,2 milhão para a casa dos 2 milhões, segundo uma pesquisa feita pela Influency.me, uma organização de marketing de influência em parceria da Opinion Box, uma empresa de pesquisa de mercado online e consumer insights.
Na região sul, especificamente na cidade de Blumenau, Isabela Graciolo, de 21 anos, é famosa pelo seu conteúdo de estilo de vida, o lifestyle, além de conteúdo sobre moda e beleza. A estudante de moda da FURB e influencer digital, conta que toma todo cuidado possível em suas postagens, passando uma imagem real de sua vida e sem induzir atos que sejam ilícitos ou irresponsáveis, “sou muito consciente em relação aos conteúdos que posto, penso muito antes de realmente subir algum novo conteúdo/assunto pras minhas redes sociais”, reitera também conteúdos que sejam verdadeiramente agregadores e não conteúdos como trends – tipos de tendências que normalmente são tão rápidas que duram uma semana ou apenas dias, “prefiro ficar fora de trends rápidas do que me arrepender por ter feito algo sem pensar duas vezes”.
“Influenciar com responsabilidade é pensar nas consequências que minhas atitudes podem causar na vida de alguém. É escolher a dedo os assuntos que vou tratar e os conteúdos que vou criar, mantendo meus princípios acima de qualquer coisa”
– Isabela
Algo positivo que vem ganhando força nas redes sociais é o movimento de autocuidado, como a decisão de abandonar vícios e adotar hábitos que promovem a saúde. Parar de fumar, por exemplo, tem sido uma meta cada vez mais comum entre jovens que buscam qualidade de vida, e muitos encontram nos influenciadores digitais o incentivo que faltava para dar esse passo.
Segundo a pesquisa realizada pelo Colégio Americano de Medicina Esportiva (American College of Sports Medicine/ACSM), o exercício físico voltado à saúde mental, perda de peso e abandono de vícios estão entre as principais tendências globais de 2025. No Brasil, práticas como musculação, yoga, treinos funcionais e atividades ao ar livre têm ganhado força não apenas por seus benefícios estéticos, mas por ajudarem na redução da ansiedade, no controle do estresse e na manutenção de decisões como parar de fumar.
Isabela observa isso de perto: “O novo luxo entre os jovens é o autocuidado. O mundo wellness (bem-estar) está crescendo rapidamente, e isso prova o quanto os criadores de conteúdo têm papel central nesse processo. Muitas das mudanças de comportamento nascem nas redes sociais”, comenta.
Com uma audiência majoritariamente jovem, ela entende que cada post pode ser um ponto de virada, seja para inspirar hábitos mais saudáveis, seja para abrir conversas sobre saúde emocional, ou limites digitais. Em um cenário onde o bem-estar virou pauta prioritária, Isabela mostra que influenciar também é cuidar de seu público.
Regulamentação e responsabilidade
A advogada e professora Mayara Pellenz, formada pela Universidade de Passo Fundo, explica o potencial da influência do uso de cigarros eletrônicos na internet. “Quando alguém usa publicamente esses produtos, pode normalizar seu consumo no círculo social, especialmente entre jovens que são mais suscetíveis à influência de pares. No entanto, a responsabilidade principal recai sobre a regulamentação adequada e a educação sobre riscos à saúde, não apenas no usuário”.
Sobre a responsabilidade que as plataformas possuem, Pellenz pontua que uma organização mais precisa por parte de fiscalização governamental auxiliaria em um controle eficaz dos pods e vapes. “As plataformas têm responsabilidade significativa, mas não exclusiva. Elas devem implementar sistemas de moderação e cumprir regulamentações locais, porém enfrentam desafios técnicos reais, como o volume massivo de conteúdo, nuances culturais e linguísticas, e a constante evolução das táticas de marketing irregular. A responsabilidade é compartilhada. As redes sociais devem agir proativamente, mas também precisam de marcos regulatórios claros, fiscalização efetiva dos órgãos competentes e conscientização dos usuários”, e conclui, “o erro está mais na falta de coordenação sistêmica do que apenas na omissão das plataformas”.
Sobre qualquer tipo de propaganda relacionada aos cigarros eletrônicos feita no ambiente digital, Mayara Pellenz defende três detalhes que contribuem para que propagandas ilegais nas redes tenham uma fiscalização eficaz:

A advogada finaliza demonstrando que o combate ao uso de cigarros eletrônicos na sociedade é responsabilidade de todos. “A solução passa por cooperação entre setor privado, governo e sociedade civil, além de harmonização internacional de regulamentações”.
O tabagismo resulta em diversos problemas de saúde física e mental e até acarretando em conflitos de relacionamento com quem está passando por essa dependência. Ollie Correa da Silva destaca, “o pior do cigarro é ser um vício que você ama e odeia ter na vida, te satisfaz ao mesmo tempo que te adoece”.
Alice* e Gael* são pseudônimos, para preservar a identidade das fontes.
Por: Caroline Telles, Duda Amaral, Pedro Borges e Roselaine Bittencourt