O impacto das redes sociais na autoestima e na imagem de jovens influenciadores

Exposição constante e a busca por padrões irreais impulsionam mudanças comportamentais e estéticas entre adolescentes influenciados pelo meio digital

Quais são as consequências da fama precoce entre adolescentes nas redes sociais? É cada vez mais comum ver adolescentes com milhões de seguidores nas redes sociais como no TikTok, Instagram ou YouTube, ditando tendências, comentando polêmicas ou mostrando o seu mais novo procedimento estético. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), nos últimos dez anos ocorreu um aumento de 141% de cirurgias plásticas realizadas entre jovens de 13 a 18 anos de idade. Hoje, o Brasil é líder mundial no ranking de cirurgias plásticas em jovens e a tendência é que o aumento do consumo das redes sociais impacte negativamente nos problemas de autoestima, principal causador do procedimento estético, enfrentado nessa faixa etária.

A autoestima exerce grande influência em todas as fases da vida, mas na adolescência seu impacto pode ser ainda mais significativo. A falta de confiança e a busca por identidade tendem a intensificar esses sentimentos. Quando isso se mistura com as redes sociais, que exibem níveis muitas vezes inalcançáveis, como a vida luxuosa de influencers e o usoexagerado de filtros, a expectativa é que a ansiedade aumente ainda mais, como se fosse “lenha na fogueira”.

Segundo a professora de direito e advogada, Mayara Pellenz, “Quando a imagem da criança é usada de forma exagerada, com foco excessivo em padrões estéticos, isso pode gerar pressão psicológica e afetar o desenvolvimento da autoestima. Se houver cobrança por desempenho, likes ou aparência, a exposição pode sim ser vista como forma de exploração”, explica Pellenz.

Um levantamento realizado pelo Ministério da Saúde mostra que, em 10 anos, os atendimentos relacionados a transtornos de ansiedade no SUS aumentaram 1.575% entre as crianças de 10 a 14 anos. Entre os adolescentes de 15 a 19 anos, o avanço foi ainda mais preocupante: de mais de 3.300%, em 2014 com 1.534 atendimentos, para o salto de 53.514 em 2024, como aponta o gráfico realizado pela equipe da reportagem:

Além disso, as redes sociais contribuem para esse quadro de ansiedade. Um estudo realizado pelo Instituto Cactus, em parceria com a AtlasIntel, mostrou que, entre jovens de 15 a 29 anos, 45% dos casos de ansiedade estão ligados ao uso intenso dessas plataformas.

Os dados revelam a fragilidade que esses jovens enfrentam durante o processo de crescimento, especialmente ao estarem constantemente conectados às redes sociais. A ansiedade se torna predominante em uma geração que tem pouco ou nenhum filtro para o grande fluxo de informações e acessos a que está exposta.

Procedimentos estéticos

Com essa fragilidade no psicológico de jovens e com o excesso de informações, tudo que se é consumido nas redes sociais se torna demais. Diversos influencers que possuem um grande espaço nas mídias sociais digitais produzem conteúdo e faturam em cima dos procedimentos estéticos que realizam, além de impulsionar a publicidade de médicos cirurgiões plásticos.

O fenômeno cirurgião plástico e, ao mesmo tempo, influencer, se explica através de um estudo publicado no Journal of the American Society of Plastic Surgeons, que aponta as redes sociais como uma ferramenta comum e perigosa de avaliação dos profissionais procurados. Feito em 2020, o perfil de cirurgiões plásticos no Instagram está servindo de currículo e fator de escolha decisivo nesse contexto. Os usuários da rede social olham o perfil como um catálogo, com fotos e vídeos, mas não necessariamente observam as informações relevantes (nem sempre colocadas ali), como formação, especialização e experiência. A busca por procedimentos estéticos ganhou força especialmente a partir da década de 1990, quando cirurgias como lipoaspiração, rinoplastia e próteses mamárias começaram a se popularizar tanto entre as celebridades, quanto entre o público.

A sociedade não apenas adotou esses procedimentos, mas também passou a consumir as transformações como uma forma de entretenimento. Quantas vezes a estética de alguém não virou assunto de debate? De capas de revistas a discussões acaloradas nas redes sociais, esse tema se torna constante. Em 2025, a atriz Lindsay Lohan chamou atenção por sua aparência mais jovem, gerando especulações sobre um possível lifting facial. Em entrevista à Elle, ela negou ter passado por cirurgia plástica, atribuindo sua aparência a procedimentos como Botox e laser, além de, o que ela afirma, uma rotina rigorosa de cuidados com a pele. Mesmo assim, os rumores persistem, alimentando comentários negativos que acabam ofuscando qualquer trabalho artístico da atriz, reduzindo sua imagem a meras suposições.

Ao consumir muito desse mesmo conteúdo, somado às inseguranças, jovens tendem a realizar o quanto antes cirurgias plásticas. A psicóloga especialista em infância e juventude Gabriela Paulus Mueller, explica essa relação: “Esse ambiente virtual favorece uma comparação constante com padrões irreais, o que pode gerar sofrimento psíquico, distorção da autoimagem e comportamentos alimentares prejudiciais.”

O dano psicológico e fragilidade em um ser humano ainda em desenvolvimento

Para explicar melhor esse fenômeno, utilizamos como referência o estudo “Uso de redes sociais, influência da mídia e insatisfação com a imagem corporal de adolescentes brasileiras”, pela Scimago Institutions Rankings, que aponta que o uso excessivo de redes sociais, especialmente entre meninas, está diretamente associado ao aumento de distúrbios de imagem e de transtornos alimentares. A busca por validação em curtidas e comentários substitui interações saudáveis e contribui para a construção de uma autoestima baseada apenas na aparência.

Em 2024, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) realizou uma pesquisa que estima que mais de 70 milhões de pessoas no mundo possuam algum distúrbio alimentar, e destes, 15 milhões de pessoas seriam brasileiras. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais define os transtornos alimentares (TAs) “Como distúrbios persistentes nos hábitos alimentares ou no comportamento relacionado à alimentação, que afetam significativamente a saúde física e o funcionamento psicossocial do indivíduo”. Em busca de promover a conscientização das pessoas e combater o preconceito que dificulta muitas vezes o acesso ao tratamento adequado, foi estabelecido internacionalmente desde 2015, o dia 2 de junho como o Dia Mundial de Conscientização dos Transtornos Alimentares criado pela Academia de Transtornos Alimentares (AED). Em 2025, a campanha busca chamar a atenção das famílias/cuidadores e profissionais de saúde para que intervenham rapidamente para que os indivíduos afetados tenham melhores chances de recuperação completa.

As principais causas giram em torno da comparação com outros corpos na busca pelo peso ideal, o corpo ideal e, consequentemente ocasionando as mudanças de alimentação radical, se transformando em um transtorno alimentar pela busca do corpo visto nas mídias.

“Os padrões costumavam ser restritos, porém com o uso intenso das redes sociais, esses modelos estéticos passaram a circular de forma massiva e imediata, estão agora a apenas um clique de distância. Isso torna mais homogênea e difundida a ideia do que é considerado “bonito” ou “aceitável” socialmente. Nesse cenário, existe o chamado Efeito Halo, fenômeno pelo qual atributos físicos, como beleza, acabam influenciando de forma geral a percepção sobre o valor da pessoa”

Psicóloga Gabriela Paulus Mueller

Sendo assim, quanto mais uma pessoa se aproxima dos padrões estéticos impostos, mais tende a ser vista como valiosa, bem-sucedida ou digna de admiração.

Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 4,7% da população em geral, sofrem de compulsão alimentar e anorexia, um distúrbio alimentar que leva a pessoa a ter uma visão distorcida de seu corpo, porém esses números podem chegar a 10% entre os adolescentes. Conforme o artigo sobre adolescência e as contradições, a doutora em Psicologia Social, Luiza Elena L. Ribeiro do Valle e a doutora em Educação na área de Política, Maria José Viana Marinho de Mattos, dizem que: “A adolescência é um período em que ocorrem várias mudanças no corpo, que repercutem diretamente na evolução da personalidade e na atuação pessoal da sociedade”.

É um momento que se torna crítico para o desenvolvimento destes transtornos em que, mudanças fisiológicas e bioquímicas acontecem no tempo da puberdade, como o acúmulo de gordura, principalmente nas meninas, devido a alterações hormonais desencadeando em consequências psicológicas, como a baixa autoestima, e nos meninos resulta na busca por maior definição muscular.

Devido as altas comparações nas redes sociais os adolescentes são um grupo de risco para o desenvolvimento destes transtornos, muitas vezes não conseguindo diferenciar o transtorno alimentar de uma alimentação/dieta saudável. A nutricionista clínica, Anelise Urnau Machado, explica que: “Uma alimentação saudável e flexível, permite o consumo de uma variedade de grupos alimentares, foca na qualidade nutricional sem restrições extremas, não afeta negativamente a vida social. Já uma alimentação muito restritiva com regras rígidas, gera pensamentos e comportamentos obsessivos, culpa, medo ou ansiedade em relação a comida e ao corpo e, como consequência, afeta negativamente a vida social e emocional.”

Sendo assim, toda forma de restrição pode levar à compulsão, e tudo aquilo que é proibido tende a se tornar ainda mais desejado. A própria sensação de proibição nos impulsiona a experimentar e a sentir atração pelo que nos é negado, afinal, o que é proibido costuma parecer mais interessante. A nutricionista ainda conclui que estas informações de proibições chegando em um cérebro ainda em desenvolvimento como na fase da adolescência, a obsessão por este alimento só tende a aumentar. Os especialistas em psicologia do comportamento alimentar, Janet Polivy e C. Peter Herman, resumem de forma eficaz o impacto das dietas restritivas ao afirmar que “Nem toda dieta resulta em transtorno alimentar, mas quase todo transtorno alimentar começa com uma dieta.”

Autoestima, redes sociais e a formação de jovens: Os desafios enfrentados pelas escolas

Com a crescente influência das redes na formação da identidade dos jovens, escolas enfrentam o desafio de lidar com questões como autoestima, bullying digital e ética nas redes. Problemas como esses podem afetar o desempenho dos jovens na escola. A autoestima baixa, por exemplo, pode diminuir a vontade do jovem de estudar, prejudica a relação com os colegas e a disposição de participar de atividades. Além disso, com o crescimento de influenciadores infanto-juvenis que adotam procedimentos estéticos e expõem rotinas de beleza adultas, estudantes cada vez mais jovens começam a reproduzir esse universo no cotidiano escolar.

A escassez de conteúdos infantis nas redes sociais amplia a exposição a temas e comportamentos adultos. Sem referências adequadas à sua idade, as crianças acabam imitandoo que veem: danças sensuais, gírias de influenciadores adultos e padrões corporais irreais, muitas vezes reforçados por algoritmos. Diante desse cenário, escolas se veem desafiadas a promover debates sobre identidade e autoestima. Algumas instituições já incorporam a educação midiática em atividades, promovendo rodas de conversa e envolvendo as famílias para abordar os impactos da hiperexposição e da adultização precoce.

É o caso da Escola Municipal de Educação Básica Janete Cassol, em Xanxerê (SC), que em 2023 recebeu uma palestra com o Procurador Geral do Município, Fernando Dal Zot, abordando o uso responsável da internet e das redes sociais. A ação, promovida em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, discutiu com alunos do 6º ao 9º ano os riscos do ambiente digital e a importância de equilibrar o mundo virtual para o desenvolvimento saudável dos adolescentes.

Segundo a professora blumenauense Maiara Jientara, a interação entre os alunos para debater sobre o uso excessivo da tecnologia, é de extrema importância para a utilização correta e consciente das redes sociais.

“É importante promover rodas de conversa em pequenos grupos, para que os alunos se sintam mais à vontade para compartilhar dúvidas, sentimentos e experiências. Também seria positivo integrar esses temas às disciplinas, por meio de projetos que promovam a reflexão crítica sobre o uso da internet e a construção da autoestima”

Professora Maiara

Recentemente, o Governo Federal sancionou a Lei nº 15.100/2025, que proíbe o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais por estudantes durante aulas, como forma de minimizar distrações e evitar a superexposição às redes durante o período escolar. O uso é permitido apenas para fins pedagógicos, acessibilidade, saúde ou segurança.

Créditos: Acervo EBC

Essa medida reacende o debate sobre a necessidade de educar para o uso consciente da tecnologia, especialmente entre crianças e adolescentes. Para Jientara, a formação de professores e profissionais é também uma das peças fundamentais. “Acredito que o caminho é começar pela formação dos professores, com estratégias práticas para lidar com os efeitos da tecnologia na rotina escolar. Já chegamos a um ponto em que não podemos apenas proibir, precisamos nos aliar à tecnologia com inteligência. A formação dos educadores é, hoje, uma das maiores necessidades nesse processo”, conclui a professora. Além disso, algumas instituições têm buscado incluir em suas grades curriculares temas

como cidadania digital, inteligência emocional e empatia, na tentativa de preparar os jovens para um ambiente cada vez mais virtual e, ao mesmo tempo, desafiador.

Entre likes e limites: Quem vigia os adolescentes na internet?

O jurídico brasileiro ainda engatinha no que diz respeito à regulamentação de influenciadores mirins e à exposição de menores nas redes. A ausência de normas claras permite que crianças sejam expostas a conteúdos e práticas que podem ser adultizados.

Apesar de avanços em outros países, como a Dinamarca, que proibiu publicidade de procedimentos estéticos voltados a menores, o Brasil ainda não possui legislação específica que trate do trabalho digital infantil e seus desdobramentos éticos e psicológicos. Plataformas como TikTok e Instagram também estão sendo observadas de perto. Embora possuam termos de uso que restringem certas práticas, na prática de verdade, há pouca fiscalização sobre o tipo de conteúdo que chega às mãos dos mais jovens.

“Hoje, o Brasil não tem uma lei específica para regular o trabalho de crianças e adolescentes como influenciadores digitais, o que gera uma série de lacunas”, explica a advogada Mayara Pellenz, ela continua “A atuação de crianças e adolescentes como influenciadores digitais movimenta cifras expressivas. Muitos pais acabam gerenciando os perfis e monetizando os conteúdos.”

A advogada acredita que a proteção jurídica das crianças no ambiente digital depende de três pilares: “Legislação específica, fiscalização efetiva e educação digital”. Para ela, “O ECA e o Marco Civil da Internet precisam ser atualizados ou complementados”, finaliza.

Mas de onde pode surgir essa problemática?

O universo virtual, tornou-se um elemento essencial na rotina, e em diversos dilemas, dos jovens de hoje. Mas, no passado, essa presença na internet não era tão dominante, nem problemática, há um contraste com gerações passadas. Antes, jovens dessa faixa etária estavam mais focados em livros, filmes e conteúdos voltados ao universo infantojuvenil. Hoje, muitos ostentam a vida que levam e produzem conteúdos marcados por superficialidade, focados em beleza, moda e consumo. O que explica essa transformação no comportamento e nas referências dessa nova geração?

Segundo a estatística realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a TV aberta ainda é consumida por 88% dos brasileiros que têm televisão em casa, enquanto apenas 25,2% dos domicílios com TV contam com serviços de assinatura. Ou seja, a maioria das casas dependem da programação da rede aberta, que atualmente possuem menos conteúdo infantil ou infantojuvenil. Para a nova geração não há muito atrativo, e dependendo da condição financeira o consumo do streaming é inviável, direcionando aquele jovem até as redes sociais.

A Geração Z, como nativa digital, está imersa em um ambiente digital desde a infância. As redes sociais oferecem uma forma de interação instantânea, conexão com amigos e influenciadores, e um fluxo constante de conteúdo. Além disso, a gratificação imediata e a possibilidade de criação e compartilhamento de conteúdo tornam as redes sociais muito atrativas, Segundo Mayara Pellenz, o abandono digital é uma das faces mais preocupantes da exposição infantil nas redes: “Ele ocorre quando os pais deixam de exercer qualquer controle ou orientação sobre a presença digital dos filhos. Esse tipo de negligência, embora menos visível que a superexposição, também pode configurar violação dos deveres parentais”, afirma.

A vulnerabilidade emocional de muitos jovens, especialmente aqueles com a autoestima fragilizada, pode levá-los a um uso mais intenso e preocupante das redes sociais. Atualmente, os algoritmos dessas plataformas estão mais sensíveis e reativos: ao interagir com determinado tipo de conteúdo ou hashtag, é comum que o sistema passe a recomendar conteúdos semelhantes de forma massiva, preenchendo praticamente toda a página inicial do usuário.

No Brasil, há esforços legislativos para lidar com os impactos dessa lógica automatizada. Projetos como o PL 502/2021 e o PL 1234/2021 propõem restringir o uso exclusivo da moderação automatizada, exigindo que haja uma verificação manual dos conteúdos e que os usuários possam contestar decisões tomadas por essas ferramentas. O objetivo é reduzir erros de moderação e promover maior transparência e responsabilidade nas redes. O gráfico abaixo mostra um levantamento realizado pela Comscore, do estudo “Tendências de Social Media 2023”, que revela que o Brasil ocupa a terceira posição global no consumo de redes sociais, ficando atrás apenas da Índia e Indonésia. Com 131,5 milhões de usuários conectados, os brasileiros passaram, em dezembro de 2022, mais de 356 bilhões de minutos nessas plataformas, o equivalente a 46 horas por pessoa no mês.

Em uma sociedade que ainda se adapta às novas tecnologias e à forma acelerada como passamos a nos informar, consumir e nos comunicar, as gerações mais jovens enfrentam o desafio de crescer em um mundo em constante transformação. Com tantos padrões irreais, comparações constantes, pressões digitais e, às vezes, nenhuma certeza, é preciso refletir: como garantir que crianças vivam uma infância saudável, sem serem afetadas por uma sociedade ainda em construção?

Por: Fernanda Koslowski, Heloisa Loos Pasta, Laura Severo da Silveira, Makely Montibeller Luciani.

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